Xena

Passeando por um bairro chique da cidade, entrei em um pet shop com uma amiga do interior que queria vacinar sua cadelinha. Há muitos anos não tinha um bichinho, nem ligava mais para animais. A vida corrida de cidadão urbano solteiro não me permitia um amiguinho ou amiguinha em casa. Mas aí, naquele pet dentro de uma espécie de aquário lá estava ela, negra e de olhar fixo, quieta e sempre atenta uma volumosa jiboia constrictor. Como um chamado por aqueles olhos hipnotizantes a levei pra casa. Batizei-a de Xena.

Criei um cenário tropical em meu apê, fechei a varanda e dei-lhe uma casa com pedras, terra, plantas e lâmpadas UV. Confesso que nos frios de julho eu mesmo me fechava com ela no terrário. No início chamava a todos para vir a minha casa e aqueles que não a conheciam, adorava assustar-lhes. Chamavam me de Voldemort. Eu até gostava do apelido. Acho que sempre fui fã de anti-heróis.

Amava tanto a Xena, que muitas vezes não ia a balada para não deixar-lhe só. Acho que ela também me amava, sentia sua felicidade quando eu chegava em casa, ainda mais se trazia algum mimo de comida.

Xena me acompanhava ao lavar a louça, no banho, e já cheguei a levá-la ao shopping, nos expulsaram, não entendi porque. Disseram que assustávamos as pessoas. Juro que pensei em processar, mas Xena me hipnotizava, e me fazia deixar pra lá. Cobras não são vingativas.

Em dias de inverno eu a levava ao parque e ficávamos horas no sol. A partir da terceira vez após tantas perguntas dos curiosos, resolvi usar óculos escuros, assim não cruzava com o olhar de ninguém, e não precisava interagir. Ficava assim, meio cobra, parado, olhar fixo. Mas estávamos sempre atentos a tudo e a todos. Quer dizer, ela estava sempre atenta. Uma destas vezes, me surpreendi ao vê-la saltar de meu colo e catar um pássaro que comia no chão. Pela primeira vez a vi selvagem em seu pleno poder de cobra, esmagando o animal e enrolando-se sobre ele como um caracol, engoliu-o inteiro. Senti fascínio e medo ao mesmo tempo.

Acho que como muitos animais selvagens em cativeiro, Xena não aguentou sobreviver todos os anos que uma cobra sobrevive fora de seu habitat natural. Estava doente, infeccionada com uma pneumonia, teve de partir. Com todo amor que lhe tinha compreendi o fim de nossa relação, e assim ela partiu. Nossa simbiose, homem e cobra se acabou. Encerrei-a em uma pequena caixa e levei-a para a cidade de meus pais nas montanhas, enterrei-a próximo a um resquício de corrégo num resquício de Mata Atlântica daquela cidade. De vez em quando passo por lá, e a vejo hoje como guardiã daquele matagal. Minha Xena, minha princesa guerreira.