Fim da Linha
Sentado naquela cadeira fria e dura ele ouviu as palavras que não queria ouvir. Na verdade, depois daquela fatídica frase ele não escutou mais nada, apenas via a boca do homem se mexendo. Notava no rosto daquele sujeito um ar de piedade. É triste quando se deparamos com alguém que sente piedade da gente. Até um rosto com raiva é mais fácil de suportar do que o olhar piedoso de quem sente apenas dó.
Ele não sabia o que pensar. Sua mente passou rápido pela sua vida. Ele era um homem feliz. Sempre fora uma pessoa alegre, nunca foi muito de reclamar da vida. Tinha uma boa família, um grupo de bons amigos e muitas lembranças de histórias que poderia passar horas e horas contando diante de uma lareira, tomando um bom vinho.
Essa era a imagem que ele tinha de seu pai. Um homem de cabelos brancos, tomando vinho, diante da lareira e contando historias da sua juventude. Sempre lembrava dessas cenas quando pensava no pai. Gostaria de um abraço de pai naquele momento. Não era possível.
Lembrou de uma namorada da juventude. Maria era o nome dela. Aquela menina era doida. Gostava de andar de cavalo e vivia se metendo na conversa dos homens. Não tinha papas na língua. Foi um namoro curto, mas por algum motivo a imagem de Maria assaltou-lhe a mente. Onde será que estaria Maria? Ele nunca mais a viu.
Tentou voltar a se concentrar no que o outro falava, mas não conseguiu. Lembrou da casa na árvore que estava construindo para filha. Lembrava que sua irmã quando era pequena sempre quis uma casa na árvore, mas o pai nunca tinha feito, então ele prometerá que quando tivesse um filho ele faria a melhor de todas. Já estava pronta toda a base e as paredes, faltava apenas o teto. Seria uma casa legal.
Lembrou-se imediatamente dos planos que tinha de fazer uma viagem para a Europa. Sempre quis conhecer Roma. A Itália de modo geral era um lugar que lhe cativava imensamente. O coliseu era para ele a maior obra da humanidade. Ver Papa com chapéu pontudo acenando da janela para as pessoas na Praça, seria muito legal. Nos últimos anos tinha feito uma poupança na intenção de guardar dinheiro para fazer a tão sonhada viagem.
E a troca de carro que estava programada para o próximo ano? Já tinha até dado uma olhada em alguns modelos. Talvez uma caminhonete. Sempre sonhou em ter uma Pick up daquelas grandonas.
Voltou a lembrar do pai sentado na frente da lareira. Aquele velho de cabelos brancos segurando uma taça de vinho, rememorando as suas aventuras e dando conselhos como se conhecesse todos os segredos.
Que aventuras eu poderia contar? Ele se perguntou. Nunca fora do tipo muito aventureiro. Nunca fez nenhuma loucura de amor, nunca se envolveu em um ato de valentia e nem salvou uma dama que estava em perigo. Até tinha algumas coisas que tinha vivido ao longo dos anos, alguns arrependimentos que gostaria de esquecer, algumas vitórias que poderia enautecer, mas nada muito interessante. Será que valeu a pena?
Talvez devesse ter me arriscado mais! Talvez não! - Disse para si mesmo. Ele não era de reclamar da vida. Era um homem feliz. Conseguiu chegar mais longe que a maioria dos homens chega. Se comparado com pai tinha certeza que tinha vivido uma vida melhor, menos sofrida, com menos historias para contar, é verdade, mas com uma lista muito maior de feitos relevantes.
Olhou novamente para aqueles olhos piedosos, do homem a sua frente, que agora não falava mais nada, apenas o observava com curiosidade. Talvez estivesse esperando que ele chorasse ou gritasse ou tivesse alguma reação diferente, mas ele não era assim. Não era de reclamar.
Sorriu. O outro olhou espantado.
- Você está bem? - Peguntou ele.
- Estou sim, doutor.
- Precisamos falar nas alternativas de tratamento!
- Eu tenho chances?
- É difícil dizer, mas podemos tentar, temos que lutar.
Ele riu. A voz do médico era de otimismo, mas os seus olhos de piedade diziam o contrário. Ele podia ler naquele olhar: "O fim da linha estava próximo e o trem-bala chamado câncer que o conduzia não iria parar."