GUERRA ENTRE FEITICEIROS

Há muito tempo atrás, havia no distrito de Majune, província do Niassa, um povoado onde moravam duas famílias nómadas. O povoado era apenas habitado por essas duas famílias oriundas de Balama, província de Cabo Delgado, que na procura de terras férteis para praticar a actividade agrícola acabaram por se deslocar daquela região que já era improdutiva para Majune onde a terra era bastante fértil.

A primeira família que descobriu o povoado foi a do senhor Paleia, que se instalou lá junto da sua esposa e dos seus sete filhos. Juntos construíram suas palhotas e abriram um grande campo agrícola onde produziam bastante milho. Enquanto os filhos ajudavam a mãe no campo, o senhor Paleia, chefe da família ia caçar ratazanas para garantir a sua refeição diária.

Assim levavam a vida dia após dia, com tarefas bem definidas para todos os membros da família. Para além de ser agricultor, o chefe da família era grande curandeiro, sendo que conhecia todos os tipos de medicamentos tradicionais e os usava para tratar assuntos de doença na sua família. Tinha também grandes poderes mágicos que os usava para fins de defesa pessoal, bem como da sua esposa e dos seus filhos.

A família Wailo foi a segunda a chegar no povoado. Liderada pelo senhor Wailo, que trouxe consigo suas três esposas e seus treze filhos. Fixaram-se no povoado e também começaram a praticar a actividade agrícola, assim como a família paleia. Ergueram suas palhotas de caniço e lá começaram a morar. O povoado já contava com mais uma família, sinal de que já estava a crescer, estabelecendo um outro tipo de ambiente no seio das duas famílias lá existentes. As visitas eram frequentes e havia um bom entendimento entre elas, o espírito de ajuda mútua era predominante no seio de cada uma das famílias. O senhor Wailo também era grande curandeiro e assim como o senhor Paleia tinha enormes poderes mágicos, previa o futuro das pessoas.

As duas famílias produziam bastante milho e não lhes faltava comida. Estavam todos satisfeitos com a vida que levavam naquele povoado com terras férteis, diferentemente da região de Balama onde saíram por causa da fraca produtividade e das suas terras que não favoreciam para a prática da agricultura.

Em Majune o ambiente era propício segundo as intenções das duas famílias, que eram de encontrar uma terra fértil onde pudessem morar, produzir e cuidar das suas famílias sem terem que passar por necessidades.

Embora ambas famílias produzissem muito milho, a família Wailo saía em vantagem pelo número do seu agregado familiar, diferentemente da família Paleia, que tinha somente nove membros contra dezasseis do senhor Wailo. Por isso, a dimensão e as proporções do trabalho eram diferentes entre ambas famílias. O senhor Wailo possuía um campo mais extenso em relação ao do senhor Paleia.

No final de cada colheita, o número de sacos de milho atingia a meta de cinquenta para o senhor Wailo, ao passo que para o senhor Paleia o limite era dos vinte e oito sacos.

Apesar de as duas famílias conviverem saudavelmente, essa diferença na produção do milho começou a gerar um certo espírito de inveja no seio da família Paleia, por ser a minoritária e com fraca produção, comparativamente a do senhor Wailo.

Numa primeira fase, tal inveja não se manifestava. O ambiente continuava calmo e as duas famílias estabeleciam boas relações. Mas houve um tempo chuvoso bastante produtivo em que o senhor Wailo conseguiu colher cem sacos de milho conta trinta e cinco do senhor Paleia, facto que gerou muita inveja e acusações por causa da fraca produtividade no seu campo agrícola, sendo que o espaço era o mesmo, a terra era a mesma e a chuva caiu nas mesmas proporções.

A família Paleia, acusava o senhor Wailo de minar seu campo com medicamentos para não produzir muita comida e que de certa forma ele saísse em vantagens, produzindo mais. A verdade é que para além de ter um número maior de agregado familiar, que trabalhava bastante no campo, o senhor Wailo usava o seu poder mágico para produzir mais do que o esperado. E para impedir que o seu vizinho produzisse mais do que ele, todas as noites ia defecar no campo agrícola do senhor Paleia e junto das fezes colocava medicamentos.

Sempre que o senhor Paleia e sua esposa fossem ao campo agrícola encontravam lá fezes nos arredores das plantações, mas não tomavam em conta por pensarem que fossem fezes das crianças que lá iam fazer suas necessidades, até porque defecar ao relento eram práticas comuns no povoado. No entanto a frequência era tanta e o senhor Paleia decidiu perguntar os seus filhos se defecavam nas plantações, pelo que responderam nunca terem feito necessidades no campo agrícola.

Depois de ter conversado com os seus filhos, não restavam mais dúvidas para o senhor Paleia, ele estava certo de que as fezes eram da vizinhança e decidiu confirmar no jogo de búzios que ele fez sentado na sua palhota, de onde teve a máxima certeza do que o seu vizinho estava fazendo contra ele e sua família. Foi daí que decidiu prestar atenção nos passos do senhor Wailo.

Certa noite, o senhor Wailo numa das suas superstições foi novamente ao campo agrícola do senhor Paleia para poder defecar e botar medicamentos por cima das suas fezes, rogando pragas para que o seu vizinho não produzisse muita comida e que ele fosse o único a produzir quantias enormes. O senhor paleia seguiu-o e de longe mirou o local onde o seu vizinho tinha defecado. Depois de ter defecado e de ter feito todas as suas cerimónias, o senhor Wailo retirou-se do local e foi para sua palhota tranquilo como se ninguém o tivesse visto.

Na mesma noite, o senhor Paleia foi ao local onde defecara o seu vizinho e recolheu num saco plástico as suas fezes, e foi com elas para a sua palhota. Passou toda a noite a pensar no que iria fazer com aquelas fezes até ter uma conclusão inteligente.

No dia seguinte, a esposa do senhor Wailo estava a pilar milho e o senhor Paleia estava observando de longe, esperou que ela ausentasse por um instante para poder entrar em acção. Como ele esperava, foi isso que aconteceu.

A esposa mais velha do senhor Wailo teve que se ausentar para beber água na sua palhota, aproveitando-se da situação, o senhor Paleia correu até o local onde se estava a pilar o milho e jogou todas as fezes no pilão.

Quando a esposa do senhor Wailo regressou para retomar o trabalho, viu as fezes e assustada começou a chorar. Foi queixar o que tinha acontecido ao seu marido, que estava descansando no quarto e juntos decidiram prejudicar a pessoa que fizera esse acto com a morte, usando magia negra.

O senhor Wailo recolheu as fezes e foi ao seu quarto falar com os espíritos e botar medicamentos por cima delas para que a pessoa que defecou morresse. Ele não sabia que estava a amaldiçoar suas próprias fezes, no fundo pensava que eram as fezes do seu vizinho ou de uma das suas crianças.

Depois de toda reza, toda evocação dos espíritos dos antepassados, tudo para perigar a vida de quem tenha defecado e jogado as fezes no pilão da sua esposa, o senhor Wailo foi deitar-se na esperança de ver os resultados do seu feitiço no dia seguinte.

Já no dia seguinte, quando acordou logo cedo, levou o seu banquinho de quatro pernas e sentou-se na varanda da sua pequena palhota. Os seus olhos estavam fixos na casa do seu vizinho Paleia, estava a espera de gritos e choros anunciando o desaparecimento físico de qualquer um dos membros da família. Mas aconteceu o contrário, de repente uma dor de barriga fortíssima atinge o senhor Wailo, a dor era insuportável que não conseguiu mais levantar-se do banco onde estava sentado, daí mesmo começou a fazer diarreia até perder a vida.

Ao invés da desgraça cair sobre a família Paleia, ela caiu sobre sua família, deixando os treze filhos e suas esposas desamparados.

Manuel Chionga
Enviado por Manuel Chionga em 30/05/2018
Código do texto: T6350375
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