LÂMINA

Havia um menino bastante sonhador, ele queria ser uma estrela mundialmente conhecida no futebol. Gostava de ver jogos na televisão e nos seus tempos livres jogava a bola com os amigos da zona.

Desde pequeno, Lâmina como o chamavam carinhosamente por ter o hábito de raspar o seu cabelo por meio de uma lâmina, já demonstrava sinais evidentes de ser um óptimo jogador de futebol, tinha um talento admirável, driblava a bola como ninguém e marcava bastantes golos, sendo que a diferença com os outros jogadores da zona era notável.

No bairro da Munhava, toda a gente o conhecia e o admirava. Embora descalço, com calções rasgados e uma camisa desajeitada, o menino jogava a bola como ninguém, ele era um craque por excelência, admirava o jogador Brasileiro Robinho e fazia questão de imitar os seus dribles. Lâmina deixava a sua marca por onde jogasse, juntamente com a sua equipa ganhava todas as competições do bairro.

Oriundo de uma família humilde, o menino maravilha da Munhava via no futebol a oportunidade de mudar de vida, ser bastante rico, ser conhecido mundialmente, viajar pelo mundo fora e disputar grandes campeonatos.

Enquanto jogava nos bairros, o menino maravilha conciliava o futebol com os estudos. Os seus pais eram tão rigorosos e obrigavam-no a ir para escola todos os dias, eles não queriam vê-lo jogar futebol com medo que contraísse uma lesão grave e que não continuasse mais com os seus estudos. O senhor Miguel, pai do Lâmina, tinha o sonho de ver o seu filho formar-se como advogado.

O miúdo continuou a jogar e a estudar. Numa das competições do bairro, a sua equipa, Futebol Clube da Munhava jogava frente ao Clube do Dondo e por coincidência estava no local do jogo, um pesquisador de talentos do Clube Ferroviário da Beira, uma das melhores equipas do campeonato nacional de futebol. Lâmina fez um jogo formidável marcando três golos a favor da sua equipa, que venceu a partida pelos mesmos números de golos contra nenhum golo da equipa adversária.

Diante da fenomenal exibição do jovem, veio o convite do pesquisador de talentos para que o menino maravilha efectuasse um teste numa das melhores equipas do país, que é o Clube Ferroviário da Beira. Caso passasse o teste Lâmina jogaria na equipa B no escalão de juniores.

O convite foi aceite pelo jovem, que depois de uma semana foi efectuar o teste, tendo sido aprovado para integrar o plantel B da equipa que se preparava para a fase de apuramento para o campeonato nacional de juniores masculinos.

Feliz da vida, o menino maravilha passava a maior parte do seu tempo treinando arduamente para dar o seu melhor na equipa. Fruto desse trabalho imenso, Lâmina foi por várias vezes convocado para realizar jogos, onde deixava os adeptos boquiabertos com a sua performance em campo. Era um matador por excelência, marcou muitos golos e ajudou a sua equipa a qualificar-se na primeira posição no seu grupo para o campeonato nacional.

Por causa da dinâmica dos treinos e dos jogos que exigiam muito trabalho e esforço, o jovem jogador já não tinha tempo para dedicar-se aos estudos, sendo que as viagens eram tão frequentes e não sobrava tempo para ir à escola. Não teve outra opção senão a de abandonar os estudos com apenas sétima classe para dar seguimento a sua carreira futebolística, seu maior sonho.

Os seus pais, senhor Miguel e dona Anabela não aceitaram a sua decisão, por via disso o aconselhavam com frequência a voltar para a escola, com vista a continuar com os estudos, embora o futebol já estivesse a proporcioná-lo momentos de alegria e um pouco de dinheiro, que servia para ajudar a família.

O jovem foi tão resistente aos conselhos dos seus pais e não quis de jeito nenhum abandonar o futebol.

Chegado o momento da realização do campeonato nacional, Lâmina mais uma vez brilhou, driblou, marcou inúmeros golos e foi eleito melhor jogador da competição, tendo levado a sua equipa à conquista do maior troféu do campeonato.

Representou com sucesso a sua equipa e a fama já era grande, tanto que no ano seguinte foi chamado para representar a equipa A do Ferroviário da Beira que estava a disputar o Moçambola, a maior prova futebolística do país. Na equipa sénior, Lâmina não cruzou os braços, continuou sendo o maior destaque, marcou muitos golos e ajudou o Ferroviário a conquistar a segunda posição do campeonato nacional de futebol que foi conquistada pela Liga Muçulmana.

A sua bela performance rendeu-lhe uma convocatória para representar a selecção nacional de futebol onde também fez muito sucesso e por várias vezes foi titular indiscutível vestindo a camisola numero nove. Viajou todo o mundo, conheceu vários países e ganhou muito dinheiro, mas não soube aproveitar a opulência que ostentava. Gastava o dinheiro em festas de luxo, hotéis cinco estrelas, comprando carros de luxo e viajando pelo mundo fora, sendo que nenhum investimento rentável fez com o dinheiro que ganhava.

No auge da sua carreira aos dezanove anos, Lâmina contraiu uma lesão gravíssima no joelho esquerdo, numa das partidas amigáveis que o seu clube Ferroviário disputava contra o Maxaquene. Foi levado ao hospital para análises médicas.

Depois de vários diagnósticos, os médicos chegaram a conclusão de que Lâmina não voltaria mais aos gramados pela gravidade da sua lesão, o seu joelho o impedia de realizar movimentos rápidos e bruscos. A sua carreira futebolística terminaria por aí.

Todo o sonho foi por água abaixo. Lâmina dependia dos seus pés para sustentar-se e sustentar a sua família, jogou mais do que estudou e tinha apenas a sétima classe do Sistema Nacional de Educação. Enquanto jogava, ganhou muito dinheiro, porém não quis aproveitá-lo da melhor maneira possível. Nada empreendeu, somente esbanjava dinheiro nas diversões, nem casa própria tinha, limitou-se em arrendar um apartamento de luxo no bairro da Ponta Gêa.

Já fora dos gramados, a condição financeira do jovem futebolista não o permitia continuar no mesmo ritmo de vida. Teve que vender os carros e voltar a morar com os seus pais na periferia da Munhava.

O sonho do menino maravilha foi interrompido aos dezanove anos, fruto de uma lesão gravíssima no joelho esquerdo.

Hoje, Lâmina passa a vida bebendo nipa e kabanga nos bares da zona que o viu nascer e crescer, longe fama e da luxúria.

Glossário

Kabanga - bebida tradicional fermentada a base de farelo de milho.

Nipa - bebida tradicional fermentada a base de cana-de-açúcar.

Manuel Chionga
Enviado por Manuel Chionga em 30/05/2018
Reeditado em 30/05/2018
Código do texto: T6350368
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