As palavras dos olhos
Os meus olhos tudo diziam aos olhos dela, e ela não os ouvia porque só acreditava no que esperava e não vinha: as palavras de minha boca; e ela, que pena, não via que meus olhos falavam bem mais que a minha boca porque lhe endereçavam mensagens vindas do coração que não necessitava de nada mais, além dos meus olhos, para tudo dizer e ser entendido. Eles diziam que o meu amor era feito também de carne e que os lençóis limpos cobrindo a cama do nosso quarto não eram para que nós nos ajoelhássemos e rezássemos, mas para que trocássemos os olhares dos corpos ávidos e distantes um do outro. Eu enxugava nele as asas românticas de minha imaginação, que podiam afetá-la sobre o meu corpo, feito aeroporto à espera de sua doce aeronave, aquilo que tudo era permitido interrromper ao redor para que ela pudesse pousar mansa e demoradamente feliz. Meu corpo era corajoso, mas não podia delegar seus poderes a outros que sob ela quisessem aportá-la em seus vôos, feitos apenas para o meu. E ela, sem olhar o meu olhar, continuava desentendendo o meu amor e com isso ia, viajava com seus imaturos sentimentos e sua carne sorridente para as hipocrisias dos outros corpos que a cercavam.
Eu, firme árvore fincada entre fortes desejos, conduzia-me talhando as distâncias que nos criam a omissão e a desvontade, como marceneiro do ferro e funileiro da madeira, desdizendo porque nenhuma outra alma sabia ouvir a minha sobre qual era a mais legítima vontade que me habitava os desejos de tornar-se realidade, desabitar o abstrato ou viver entre a realidade e neste.
Como é ruim amar sozinho quem mais gostamos! De sol-a-sol chovia em meus olhos e o meu coração pedia um tempo para parar de sofrer e reencontrar valores antes conhecidos; minhas mãos estavam cansadas de entregar-me a alheios amores aos meus e retirar as travas dos olhos de meus caminhos, onde eu tropeçava sempre que meus olhos me mandavam viajar em busca dela, do seu afeto, do seu corpo nu e liso, esquentando-me as miras e os alvos em qualquer escuridão que escolhêssemos para fazer amor.
E assim o tempo nos conduziu a conhecer novas estradas porque a dor também precisa deixar a alma que cronicamente machuca, para aprender maiores e diferentes sofrimentos nos corações de outras. A minha deu passos atrevidos rumo ao diferente e, retomando sentido e direção, foi procurar a última esquina do horizonte, mas... nunca mais amou como antes, com aquelas formas singulares, desejos ímpares, vontade única. Eu não me permiti mudar o meu olhar nem tampouco o que ele gostava de dizer a ela, apenas para ela e acho que foi por isso que, por mais que me distanciei do físico, mais próximo fiquei de onde nunca pude encontrar e esquecer.
Comprei novamente a casa onde morávamos, treze anos depois. Minha segunda companheira foi quem me pediu para fazê-lo. Lembrei-me hoje, à tardinha, quando terminou o expediente no escritório e eu ia voltar para casa, do diálogo que tive com Naíra, ao passar em frente à casa da Rua 16, no centro da cidade.
- A casa foi essa, Naíra...
- Vamos entrar? A placa de venda ainda está lá...
E o primeiro cômodo que lhe apresentei antes de comprá-la foi o meu quarto de dormir. Chorei copiosamente e ela procurou em vão consolar-me. Eu sinto nojo dela porque sabe que não existe amor em nossa relação cotidiana e permanece ao meu lado, como se nunca tivesse conhecido o seu amor próprio; e meus olhos continuam a dizer-lhe que não a amo! Há almas que não possuem olhos nem coração e por isso amam sem saber o que é o amor. Eu prefiro continuar enojado à dizer-lhe. Tenho muito medo de que a solidão me sufoque e nem mais a mim eu possa amar. Virei um ermitão há séculos!