Ah se o tempo não passar...
Então Lito chegou à casa dos avôs paternos. Olhou a volta e percebeu que nada havia saído do lugar; o pequeno radinho do avô fora mantido em cima do toquinho de madeira, típico de rocinhas de fazenda, no qual Seu Lelo, o avô, assentava-se no portão para prosear. Lito correu rápido para a cozinha e cumprimentou os avôs. Observou que Seu Lelo respondeu baixinho, como normalmente fazia, contudo não lhe passou a mão pela cabeça ou deu-lhe um leve beliscão na costela, e saiu para a varanda. Logo olhou para a avó, Dona Ceição, a esperar por uma mais que verídica observação.
- É, Lito, não ligue para o silêncio de Lelo. Ele está com complexo...
- Complexo, vó?
- É... Complexo é quan...
- Eu sei o que é, vó! – Interrompeu a explicação da avó como todo adolescente apavorado – Eu só quero saber com o quê?
Dona Ceição deu um sorriso bem capcioso para o jovem e explicou:
- Complexado com as rugas, sabe?
- Mas na televisão tem um creme que é muito bom, vó Ceição. – Parecia ter descoberto o Brasil com a informação.
- Mas só um creme não alivia as rugas da alma, Lito.
Foi visível a não compreensão imediata pela expressão do garoto. Porém, assim que sua ficha caiu, foi logo falar com o avô. Chegou manso enquanto o coroa olhava a ruazinha e acenava para os vizinhos que passavam.
- Viu o jogo, vô?
- Ouvi sim. – Seu Lelo nem piscava.
- Agora nosso flamengo melhora, eim...
- Tomara, Lito. Não aguento mais piadas. – E sorriu. O futebol e o flamengo, bons ou ruins, alegravam-no muito.
- Vô?
- Hmm...
- É muito difícil ser velho?
Lelo levantou a sobrancelha com a indagação do neto. Piscou duas vezes e foi direto:
- O difícil não é ser velho, não. O difícil é chegar na velhice, sabe?
- Por que, vô?
- São tantas coisas que ficam para trás, tanta gente e tantos sonhos, filho, que a gente até desanima às vezes. – Virou-se e caminhou devagar até a cadeira. Lito nem esperou o chamado, foi logo atrás perguntando:
- E o senhor sofre muito com isso tudo, né vô?
- Em partes, sim... – pegou o cachimbo preto e começou a limpar com o canivete – Mas tem coisa que pentelha ainda mais...
- Tipo o quê, vô?
- Tipo a memória, filho.
- A sua memória é boa, vô.
- Eu sei disso, Lito. O vô está falando da memória dos outros. Das pessoas que se esquecem da gente. – Lito olhou a cabeça branca de seu Lelo e se perguntou se o avô, ao invés de complexado, não estaria caduco. O velho sorriu contente e prosseguiu – eu ainda tenho vocês, a Ceição e alguns amigos. Só que tem gente, filho, que só tem uma televisão, como disse o tio Mia.
- O senhor está falando de solidão, vô?
- Não. A gente nunca está sozinho. Existem duas pessoas que sempre nos acompanham: uma é Deus e a outra, a morte.
- Que papo louco, vô. Coisa sinistra falar de morte. – Lito se benzia com repetidos sinais da cruz sobre o corpo, com os olhos arregalados e vigilantes.
- Não adianta reza, Lito. A gente já começa a morrer desde que nasce. Mas um dia é pra valer. – Sorriu novamente como se falasse do flamengo e piscou para o neto.
- Mesmo assim, vô...
- Deixa quieto, filho – Seu Lelo advertiu o neto – Isso é “coisa de gente velha”, você não vai entender agora.
Lito sentiu-se mal ao reconhecer a verdade nas palavras do avô.
- Venha, simbora tomar um suco causo que a Ceição está aprontando um bolo.