SÓ MINHA

Não foi abrindo a janela logo cedo para aspirar o ar puro como fez Brás Cubas. Foi numa virada de esquina, mesmo que se dissesse que naquela cidade não havia esquina. Foi virando uma esquina que ela se deu com ele e mesmo não pegando um resfriado, pegou uma paixão avassaladora. E aquela indiferença ao amor que se arrastava já há alguns anos, foi desaparecendo junto com medos e precauções. Em pouco tempo, já estavam praticamente casados, dividindo o mesmo teto e afinidades. Mas, a rotina das horas fez as afinidades se dissiparem e, agora quando estavam em algum evento social, era comum que ele lhe desse uns tapinhas na perna por debaixo da mesa quando o riso dela se avolumava ou se ela virava o centro das atenções no bate-papo. Fazia vista grossa para as sutilezas desagradáveis que se renovavam, como quando ele exigia afeição, forçando o corpo dele sobre o dela quando ela não o queria.

E foi num desses deixe-me-deixe que ele deixou a mão marcada no rosto dela, onde se formou um hematoma.

Acordou.

E não teve declaração de amor, presente ou promessa que a impedisse de partir ao meio aquela pseudo história de amor. Lei Maria da Penha, medida protetiva, o escambau. Meses se passaram, e ela estava de volta ao seu trilho da vida, quando num fim de tarde deu com ele dentro de sua casa. Como um bandido, na surdina. Ele lhe fez um elogio e pediu para voltar. Disse que ela ficava melhor de vestido que calça jeans. Que uma viagem resolveria os problemas do passado. E quando já no quarto, ele forçou o corpo sobre ela, num relance, ela abriu o criado mudo e puxou um revólver na cara dele que se esquivou e saiu correndo, enquanto ela gritava sob uma saraivada de balas "Nunca mais me diga o que fazer ou como viver" "Eu não pertenço a você" "Sou minha, só minha!"

Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 21/05/2018
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