NO CONVENTO

Maria Clara tinha certeza da decisão que iria tomar; queria ser uma Freira Carmelita, para esquecer a dor da perda de seu eterno amor... Não fazia muito tempo que seu noivo, Luiz Miguel, havia morrido vítima de acidente, ao atravessar a única rua de acesso ao pequeno sítio, onde ele residia com os pais, foi atropelado por um caminhão desgovernado e, morreu na mesma hora...

Alguns meses se passaram, mas a dor da perda, ainda, continua presente... Hoje é o grande dia de Maria Clara realizar seu sonho, deixar para trás, tudo e todos, para seguir um novo caminho. A sua nova vida está apenas começando. Os transmites para ela se tornar uma noviça e logo depois uma freira é demorado. Ela precisa passar por um processo seletivo, que requer o compromisso de servir a Deus e tomar vários votos. “Sabe-se que uma irmã religiosa faz apenas votos temporários que são renovados a cada ano até o ofício final, que são os votos permanentes à Igreja, um período compreendido entre 5 a 9 anos (dependendo da organização)”. Sendo assim, enquanto ela espera a consolidação dos votos, solicita permissão às autoridades competentes, para ser voluntária em atividades de Serviços Gerais, limpeza e conservação dos ambientes e cômodos, do antigo Convento, Coração de Maria, afastado da pequena cidade, praticamente isolado do mundo, lá só existe o silêncio dos muros e as orações. A garota é muito religiosa, sempre participa da missa, aos domingos, na pequena Capela próximo a sua casa; ela acredita que não terá dificuldade em se adaptar ao novo ambiente... Já era noite, quando o carro da Prefeitura para em frente ao Convento, um antigo casarão de pedra. O coração da garota, Maria Clara, dispara, um frêmito percorre todo corpo, quase não consegue conter a ansiedade da descoberta; olha para o céu, vê as estrelas se entreolharem a sorrir, o luar acariciando as nuvens e, agradece a Deus por haver chegado sã e salva... Ela toca suavemente a campainha e, segundos depois, surge uma jovem de semblante gentil. Maria Clara vai, logo, se apresentando:

- Bom dia! Sou Maria Clara, a nova voluntária de Serviços Gerais.

- Bom dia, jovem! Eu sou a irmã Lúcia, me acompanhe, por favor! Diz a garota que a recepcionou...

Maria Clara nem olha para trás, pois tem certeza que permanecerá ali, até os últimos dias de sua vida. Elas seguem por um corredor comprido, que parece triste e sem vida, em direção aos dormitórios. Logo, a irmã Lúcia diz:

- Aqui é seu quarto, descanse um pouco, você fez uma longa viagem, depois venho buscá-la, para conhecer a Madre Superiora.

Maria Clara entra no quarto e, observa todos os detalhes: paredes tristes e frias, três camas forradas com lençóis brancos, uma pequena escrivaninha junto à terceira cama e uma cômoda com três gavetas; tudo muito limpo, sem poeira e nem teia de aranha. Muito cansada ela deita na primeira cama e, logo, adormece. Escuta alguém a chamando: “Clarinha, Clarinha, me ajude, por favor!” A garota desperta muito assustada, abre a porta, nem uma viva alma do lado de fora. E pensa: “Meu Deus, apenas uma pessoa me chamava assim, Luiz Miguel. Por que ele está me pedindo ajuda.” Logo, ela escuta duas batidas, bem leves na porta; abre suavemente, é a irmã Lúcia que veio chamá-la. Que vai logo dizendo:

- Maria Clara a Madre Superiora está te esperando. Naquele momento, chovia bastante, só se ouvia o tamborilar dos pingos d’água nas vidraças das janelas e o gorjear dos pássaros em busca de abrigo. A garota entra na sala e, fica ali quedada, o silêncio é quebrado pelo vozeirão de Madre Thereza.

- Minha filha, sente-se aqui perto de mim!

Maria Clara se aproxima da Madre e senta-se; ela tem as mãos trêmulas pelo frio da noite e pelo medo do novo.

A Madre Thereza diz suavemente:

- Querida, você tem certeza desta sua decisão, quer ser mesmo voluntária neste Convento? Permanecer aqui trabalhando, até os seus votos saírem?

- Sim, tenho convicção Madre Thereza! Responde-lhe baixinho.

A Madre Superiora continua falando:

- Estarei aqui para o que precisar, se mudar de ideia, me procure. Eu terei o maior prazer em te ajudar. Disse-lhe a Madre.

Ao sair da sala, a irmã Lúcia já a esperava. Assim, ela foi conduzida à cozinha... Maria Clara entra no ambiente, sabendo que precisa deixar o sofrimento do lado de fora, pois, suas lágrimas já secaram de tanto ela chorar; nada se compara ao sofrimento de uma perda, o vazio deixado pela dor da saudade e as chagas que sangram em seu coração. Ao entrar ela vê uma jovem sentada em um banco de madeira próximo ao armário de mantimentos e outra preparando algo no fogão.

- Olá, sou Fátima e àquela é a Rute! Disse-lhe a jovem que estava sentada:

Maria Clara olha para a pia, cheia de pratos para lavar e, eleva o olhar para o alto, para contemplar o Luar, que está todo especial, ele resplandece por entre a fresta da janelinha, um esplendor prateado que ilumina seu rosto cálido. Logo pensa: “É uma pena que a plateia esteja toda dormindo, ou ausente deste momento de grandiosidade da Lua.” Rápido volta o olhar para Fátima e, vai logo dizendo:

- Sou Maria Clara, muito prazer!

- Somos suas companheiras de quarto, o prazer é todo nosso. Disse-lhe Rute.

A euforia é quebrada, por uma voz grave e irritante; é a irmã Vitória, responsável pela limpeza do Convento. Ela foi logo dizendo:

Maria Clara, vá arrumar a cozinha, quero tudo limpo e o piso brilhando. A garota foi notável nas tarefas executadas...

... Já era madrugada, quando Maria Clara consegue dormir; o cansaço e a emoção do primeiro dia ali, dificultaram o sono da garota. Mais uma vez Maria Clara escuta alguém a chamando, insistentemente: “Clarinha, Clarinha, preciso de você!” A garota para e fixa seu olhar no teto, pintado de azul celeste pois, parece até que o céu se abriu; assim, um momento de serenidade toma conta daquele ambiente e, entre as luzes que cintilam, aparece o rosto suave de Luiz Miguel sorrindo. Logo, ele falou:

- Clarinha, eu preciso de você! Pare de sofrer por mim; siga seu caminho, que eu estou em Paz; faça deste Convento sua nova morada; desprenda-me de seu plano físico. Eu agora sou Luz e vou te iluminar pelo resto da vida. Eu te amo muito!

As luzes se apagaram e, o rosto do rapaz desaparece para sempre...

A garota desperta, olha para as amigas, de quarto, que continuam dormindo tranquilas. Ela agora tem certeza, que Luiz Miguel veio visitá-la, que não foi um sonho, foi tudo real. Sabe que precisa tocar sua vida, deixar seu falecido noivo no passado, eternizá-lo em sua memória, ela quer somente servir a Deus. Fecha seus olhos, vira para o outro lado e, assim adormece serena. Agora, já é dia, o Sol ao nascer dá seu espetáculo e, ela precisa se levantar para assisti-lo... Todos as manhãs, Maria Clara executa suas tarefas com perfeição, deixa tudo limpinho e iluminado, desde a sua chegada ao Convento que os ambientes e cômodos parecem agradecer por estarem limpos, cheirosos e brilhantes...

Os tempos se passaram, tudo transcorre na mais perfeita harmonia... Um certo dia Maria Clara recebe a notícia que seus votos de noviça tinham sido autorizados e, que ela iria permanecer naquele mesmo Convento, administrando a limpeza e conservação dos ambientes e auxiliando as novas voluntárias de Serviços Gerais.

Maria Clara foi determinada e perseverante, conseguindo realizar com precisão o sonho que escolhera. Nunca esqueceu Luiz Miguel, mas hoje seu amor por ele é diferente, é um sentimento fraternal e sublime. São tantas histórias assim...

Não deixe seus sonhos guardados, procure realizá-los, colocando-os em prática!

Elisabete Leite – 18/05/2018

(Dedico à minha querida tia Júlia, In Memoriam)

Elisabete Leite
Enviado por Elisabete Leite em 21/05/2018
Reeditado em 21/05/2018
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