Conto das terças-feiras - Experiência decepcionante

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 15 de maio de 2018

Carlos Alberto, jovem gaúcho que nunca tinha viajado para fora de sua cidade, estava nervoso. Representante-vendedor de uma fábrica de revestimentos em alumínio composto (ACM), fora designado para representar sua equipe na reunião anual da empresa a ter lugar na cidade de São Paulo.

A empresa tinha poucos anos de instalação em cidade próxima a capital gaúcha e Carlos Alberto fora um dos primeiros contratados para compor a equipe de vendas. O seu desempenho como vendedor o levou à chefia da equipe. Pelo esforço e dedicação, foi escolhido para participar de alguns treinamentos na empresa, relacionados com o desenvolvimento sistêmico das competências interpessoais, à gestão de equipes comerciais e outros. Era um funcionário exemplar.

Arrumando as malas, não sabia o que colocar nelas, não conhecia São Paulo, era avesso às reuniões formais e deduzia que o encontro seria em um dos mais luxuosos hotéis da cidade. Julgava também que não poderia fazer feio, nem bancar o caipira frente aos outros representantes da empresa. Nunca havia viajado de avião, mas isso, para ele, não seria problema, era só imitar os demais passageiros. Na manhã seguinte, levantou-se cedo, tomou café e esperou que chegasse o táxi para levá-lo ao Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre. De sua cidade ao aeroporto seriam duas horas de viagem. Como era domingo, o trânsito estaria menos congestionado, deixando-o mais tranquilo, tinha receio de perder o avião.

— Seria uma vergonha, falou Carlos.

Prontamente o taxista olhou pelo retrovisor e perguntou:

— O que disse, senhor?

— Estou falando com os meus botões, respondeu Carlos.

No aeroporto esperou duas horas o aviso de embarque, pois chegara muito cedo. Quando anunciaram o número do portão de embarque, Carlos dirigiu-se à fila indicada pela funcionária da companhia e encaminhou-se para a aeronave, aparentando ser um viajante costumeiro. De terno e gravata, em sua postura elegante e porte atlético, fez inveja a alguns homens que o acompanhavam naquela procissão de entrada. Algumas garotas, pelo contrário, olhavam para ele admiradas pelo exemplar macho que as faria companhia naquele voo.

A viagem foi sem escala, rápida e sem trauma para Carlos. Comportou-se exemplarmente em sua primeira viagem de avião. Não se preocupou, nem mesmo com a turbulência, quando o avião se aproximou do aeroporto de Guarulhos, pois chovia muito. Saiu do avião com ar triunfal, apanhou sua única mala, retirou-se da sala de desembarque e dirigiu-se à cabine de uma cooperativa de táxi. Ao taxista indicou o hotel de seu destino, localizado na Avenida Paulista.

Carlos fez o check-in na recepção, pegou o cartão magnético de acesso ao apartamento, subiu até o 15º andar e, no número 1528, por várias vezes, tentou abrir a porta, só conseguindo depois da ajuda de uma camareira que, o vendo aflito, foi em seu socorro. Aberta a porta, o vendedor entrou, as luzes acenderam e ele admirado, exclamou:

— Puxa vida, aqui é tudo automático, o hotel é realmente de luxo!

Ele verificou que tudo ligou automaticamente, TV, ar condicionado e as lâmpadas. Como não havia colocado o cartão magnético no local, após alguns minutos o quarto ficou às escuras e tudo mais desligou-se, como num passe de mágica. Procurou interruptores, acionou-os, mas nada acendeu ou ligou. Da janela percebeu que não havia faltado energia. Ficou intrigado com tudo aquilo. Não queria chamar a recepção para não deixar transparecer que era hóspede de primeira viagem. Tirou o paletó, jogou-o sobre a cama e deitou-se, com a esperança de tudo voltar ao normal mais tarde. Estava muito cansado, tudo aquilo era novidade: viajar de avião, conhecer São Paulo, hospedar-se em hotel de luxo. Logo dormiu, só acordando depois das 8h. Esquecera-se de programar o despertador do celular para tocar às 7h.

Fez a higiene pessoal, vestiu o paletó e saiu para ir ao restaurante tomar café. Ao abrir a porta do apartamento percebeu que a TV e as lâmpadas acenderam. Achou estranho, mas não ligou para isso. Sua preocupação era fazer o desjejum e correr para o auditório, onde seria realizado o evento para o qual fora convidado como palestrante. Falaria da sua experiência e do sucesso como chefe de equipe de vendas.

No auditório, ao ser chamado para realizar sua palestra, Carlos, bastante nervoso, não conseguia levantar-se da cadeira. O estresse da noite pessimamente dormida era o responsável por isso. Foi chamado várias vezes e, como ninguém o conhecia, convocaram outro palestrante. No intervalo para o almoço todos saíram, apenas ele permaneceu sentado, estático. Quando saiu do transe Carlos foi para o hotel, apanhou seu cartão de acesso ao apartamento 1528, entrou, e todas as luzes acenderam-se e tudo voltou a funcionar. Poucos minutos após, a cena da noite anterior se repetiu, tudo ficou novamente às escuras. “Só pode ser coisa feita”, pensou alto o vendedor.

Consultou a recepção, alguém veio ao seu encontro e explicou para que servia o cartão magnético e como funcionava. Decepcionado, telefonou para a sua empresa informando que na manhã daquele dia sentira-se doente e não pudera ir para a reunião. Com quem ele falou, solicitou o seu retorno imediato assim que estivesse melhor.

Foi a mais decepcionante experiência que passara em sua atividade laboral.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 15/05/2018
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