DENTISTA
Silvia em um de seus dias de humor alterado vai ao dentista.
Tem coisa pior que ir ao dentista? Para mim não. Vejo essa sala pintada de branco, os profissionais todos de branco...esse cheiro de alvejante...tenho a sensação de que não levantarei mais dessa cadeira.
Ah! Essa é a última vez que venho aqui. Não gosto de sentir medo, não sei explicá-lo nem para mim mesma. Pra variar minhas mãos estão molhadas...minhas canelas não param de tremer...nada para passar o tempo, essas revistas estão velhas, nossa! Sem nada para relaxar...olha para essas flores de plástico em cima desse balcão...essas gotas orvalhadas de cola quente parecem pingos de vela...só reforçam o quão brega é o artificial...prefiro as naturais, elas morrerão...tal qual a beleza sua cronicidade é breve...elas têm um fim...e isso é maravilhoso...ter um fim.
As meninas trabalham bem...aquela maquiada com sombra azul e verde...lembra uma arara, dessas em extinção...meio carnavalesco porém muito bem feito. Além disso tudo, tenho que por uma meia nos pés...puxa, nessa fase da vida me sinto uma oriental, de um lado a mesa com chá e do outro uma caixa com meias...sapatinhos...de tecido. Muito limpo aqui.
Chamaram por mim, minhas pernas não param de tremer, e agora é o coração em descompasso...é nessas horas que desejava não ter sentido algum...ouvir então...esse tilintar de utensílios nessa bandeja me dá nos nervos...mas não é culpa de ninguém, eu que não confio em outra mão escolhendo, mexendo, mudando algo dentro de mim. Eu gosto de ver, de ter esse controle sobre meu próprio corpo. Sei lá...tá mais pra falta de confiança...não confio em ninguém...quem garante que ele não vai rasgar minha boca? Ou deixar eu engolir uma gase ou o dente. Pior... deixar metade do dente lá dentro?!
Lá vem ele com esses aparelhos sugadores...sinto o cheiro da luva de borracha, já pensei em comê-la, sabe...o mesmo desejo que dá ao sentir cheiro de terra molhada. Ele fica tão próximo a mim como poucas pessoas já ficaram, eu vejo a íris dos seus olhos, são claros, azul turquesa expressivo, atento e sério. Hoje abusei dos meus sentidos...eu nem percebia isso...hoje sim. Hoje percebi.
Dormi mal. Tive pesadelos essa noite, meu marido reclamou. Antes dormíamos grudados feito duas colheres, por causa do bruxismo ele agora dorme bem afastado.
É um frouxo! Tem medo de mim. Deveria ter medo era da cara feia da mãe dele. Por muitas vezes ela aparece lá em casa...com a cara feia imagino ela com a vassoura na mão...bruxa.
Essa noite acordei com ele me sacudindo, disse que eu estava sonhando e me debatendo, pediu que eu rezasse antes de dormir...hum veja...eu deveria rezar era pra ele sumir da minha vida. Se ele sente medo dos meus devaneios da madrugada imagina se aparecesse uma assombração no quarto? Ou um ladrão? Era capaz dele me fazer de escudo. Outro dia sonhei com dente, dizem por aí que é morte. As pessoas se desesperam demais com isso. Uma bobagem! Chegará esse dia tão logo quanto eu ou outrem queira. Eu não tive medo algum. Tenho medo é da dor! Me enlouquece!
Hum...já vivenciei de tudo nessa cadeira, crise de riso, choro, desmaio, já até gritei. O dia do grito foi engraçado, o doutor levou um susto. Talvez ele recomende um aparelho, eu aqui já intuindo perder meu marido, serrando os dentes ele dorme longe...serrar os ferros dará divórcio...será o fim...como o fim das flores.