NOITES TRAIÇOEIRAS
"Tentou contra a existência
num humilde barracão,
Joana de tal, por um tal João.
Depois de medicada, retirou-se pr`o seu lar.
Ai a noticia carece de exatidão.
Um lar não mais existe
e ninguém volta ao que se acabou.
Joana é mais uma mulata triste que errou.
Errou de dose,
Errou de amor.
Joana errou de João,
ninguém notou.
Ninguém morou na dor que era o seu mal,
A dor da gente não sai no jornal."
(Poema "Notícia de Jornal", de Haroldo Barbosa)
Um lar é o lugar seguro para onde você volta para descansar.
Se não for seguro, é traiçoeiro.
Tem coisa que não acredito já no primeiro momento.
Quando vi, ouvi e li sobre o incêndio no prédio "ocupado ilegal" em São Paulo, já não acreditei nas primeiras e urgentes notícias:
Primeiro - a divulgação inicial de que não houvera vítimas;
Segundo - que o incêndio começou num apartamento onde um casal cozinhava com álcool de madrugada; depois mudaram a versão para curto circuito; como a mídia rapidamente ofereceu ao público.
Terceiro - por que não considerar incêndio criminoso?
Por último: por que na madrugada de primeiro de maio?
Como no assassinato de Marielle, foi um recado, disso tenho certeza.
Vamos por partes.
A mídia introduzia toda informação com o chavão: "prédio irregularmente ocupado pelo MST", necessário para já de início culpar o MST.
O que é estranho, porque o Vampiro Nosferatu ocupa o Palácio do Planalto irregularmente há mais de dois anos, e a imprensa considera legal e normal.
Quanto as vítimas é óbvio que há; e muitas.
Ao contrário do que dizia a mídia, para diminuir o impacto negativo do fracasso do governo ao promover o bem estar da população.
Lembre que o incêndio começou a uma hora da madrugada, quando a grande maioria das pessoas, (inclusive crianças), estavam dormindo.
Lembre mais, que o prédio não tinha segurança nenhuma, nem iluminação nas escadas de escape de incêndio.
Duvido que seja essa meia duzia de seres humanos que a imprensa agora admite.
Quanto a causa da tragédia a coisa é revoltante.
Já logo pela manhã a mídia falava que o incêndio começou num quarto ocupado por um casal que cozinhava com álcool de posto de gasolina.
Depois mudou a versão para um curto circuito elétrico, por conta das gambiarras dos ocupantes.
Nota-se que a missão sempre foi culpar as vítimas.
Já tem alguns anos que favelas tem pego fogo nas madrugadas.
Gente que pensa nunca considerou como coincidência; os terrenos eram ocupados irregularmente, o judiciário não dá conta do recado, e o mais fácil é pagar alguém para botar fogo nos barracos.
Numa civilização isso tem nome, chama-se "exercício irregular das próprias razões", e é crime no mundo todo, até no (Oh !!) Brasil.
Mas aqui o lema é: manda quem pode (não o poder legal, mas o poder financeiro); obedece quem tem juízo.
Arrisco um palpite; como das outras vezes em favelas, o incêndio no prédio foi provocado.
Mas quem se importa?
Só prejudicou e morreu pobre.
A Constituição Federal de 1988 trás no seu corpo legislativo um capítulo que trata da Política Urbana, onde possibilita a regularização fundiária.
A redação do texto já é um reconhecimento da falência da política habitacional brasileira adotada até então, uma vez que deixa implícita em sua redação a compreensão de que milhares de famílias auto-construíram sua moradias em terrenos vazios, que não lhes pertenciam, ocupados a fim de exercer o mais elementar dos direitos humanos: a moradia.
De 1988 para cá, (a não ser durante o governo do PT), nada mudou.
No entanto, (e o leitor pode até não gostar do governo do PT), é mister reconhecer que diante da crescente ilegalidade urbana, atingindo em especial a população mais carente, a Constituição impõe que as três esferas do poder ajam conjuntamente para buscar a solução do problema.
O Estatuto da Cidade foi criado para regulamentar as determinações impostas e permitir que os Municípios implantem os instrumentos de regularização de moradias, entre outras medidas.
Tendo em conta que a falta de moradia ("lar") é uma realidade que atinge milhões de brasileiros e que estes já estão ocupando um espaço urbano e que não há possibilidade de construção de “novas” casas para todos que vivem em situação precária e ilegal, a regularização fundiária passa a ser o centro dos programas habitacionais sociais, onde ocorre a legalização urbanística e jurídica das ocupações, garantindo os preceitos constitucionais da função social da propriedade e direito fundamental à moradia
Enfim, se nada for feito no sentido de ajudar o bem estar da sociedade, viveremos todos "noites traiçoeiras":
você, inocente leitor, a assustar-se e revoltar-se contra a situação;
aos sem tetos, o medo de descansar e adormecer a vigilância.
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Obrigado pela leitura.
Classifiquei como conto porque ninguém lê artigo.
Fiquem com Deus.
Baguaçu - Sajob, maio / 2015 + 3