Mais um dia
Era só mais um dia; mais um café amargo de sua mãe e mais um banho naquele maldito banheiro escuro e pequeno que Daniel tanto amava (e não sabia).
Mais um passeio pela manhã; mais um vislumbre do nada. O céu estava pesado, atraente para as melhores histórias. Infernos! Como queria, naquele momento, sentir-se livre como costumava. Não sabia desde quando estava perdido mas sentia o peso de cada hora em seus ombros.
Marcella, Alice, Reis...Tantos rostos! E se nunca mais tornasse a por o pé naquelas ruas? Hora de pegar o ônibus e a porra do ponto estava cheia, pra variar. E se tirasse a pistola do bolso e quebrasse a realidade ali mesmo?
O silêncio de um canto chamou por seu nome. Era uma brisa de doce podre, sólida, como a presença que sentia toda vez que visitava seu pai no hospital. Cada vez mais perto, cada segundo mais real. Iria se atrasar mas precisava descobrir o que raios era aquilo que tanto o instigava.
E já não existia tempo. No começo só lembrou que tinha que pagar boletos infinitos. Queria ligar para Alice e ouvi-la terminar de contar uma de suas histórias. Sentiu falta da mãe e remorso por todo ódio que nutriu pelo pai. Clamou por mais um banho e imploraria de joelhos por mais um gole daquele café. Perdeu o controle que não imaginava ter e, de tão rápido e potente o impacto da bala, sentiu a eternidade na angústia de tentar contrariar sua alma e prendê-la no fio da existência. Quis acreditar que não estava sozinho, que logo uma figura gentil o levaria no colo para descansar. Talvez tivesse o rosto envolto em trevas e talvez seria a mais bela visão que levaria. Mas não houve nada, nada esse que agora Daniel fazia parte.