Desejos
Desejos
O que você mais deseja? Ela olhou novamente seu semblante pálido no espelho fosco e antigo desejando que não fosse ela. “Tenho rugas”, constatou aproximando o rosto mais perto do espelho opaco ,quase desejando que a imperfeição fosse velhice do objeto. As rugas estavam lá, seus olhos secos também, e viu que as marcas em suas mãos denunciavam sua idade, ou quem sabe o sofrimento de seu tempo. Era muito fácil deliberar sobre seus desejos. Eles nunca haviam chegado a serem muitos e eram impossivelmente aleatórios. Seu humor volátil não permitia a ela um tempo esparso e muito menos duradouro. Seus desejos estavam na ordem de suas vontades expressas numa vida simples e solitária. A pele seca de suas mãos a lembrava que deveria tomar providências, mesmo que ainda não existissem as manchinhas escuras, aqueles típicos sinais de senilidade de pele, mas ela sabia que logo, logo lhe dariam o ar da desencantada velhice. “É o fim, a derrocada, agora tudo deve descer ladeira e escadaria abaixo num enxurrada trucidantemente inexorável”, disse para si mesma entre os dentes imperfeitamente alinhados e diastemados. “Dane-se”! Sorriu para si mesma, mirou o armário com as poucas roupas que conseguia comprar fugindo das provas que não a agradavam em nada. O que mexe de verdade com as pessoas? Seus sentimentos nem sempre eram expostos, mas ela sabia que nada era tão revelador quanto seus olhos inquietamente ousados. Os olhos, esses sim jamais mudam. Suas alegrias eram independentes. Sua feição e atitudes duras e extremamente rígidas eram sempre traídas por suas palavras e poemas, e quem os lesse tomaria ciência de sua docilidade de caráter e leveza de alma. Sua leitura de mundo não era simples, pois era pragmática, sincera e nada levada pelo senso comum. Nada lhe escapava enquanto sentidos, sua vivacidade entrava em choque com sua verdadeira imagem simplista e inocente. Era tempo de poder libertar-se, largar-se no tempo e não mais deixar que as opiniões e falas a desajustassem ou ferissem. Seus desenganos não precisavam ser tão públicos, e se fazia mister quebrar um ciclo de inocência, e poderia ser libertador poder impor-se e não sentir que não era nada, e não seria a primeira e única vez que olharia para as estrelas como uma delas. Seus sentidos eram muito maiores que qualquer opinião que pudesse ou pudessem ter sobre ela, mesmo que ela fosse uma sinfonia em metal pesado e gutural, rebelde e angelical e que mundos distintos guerreassem em seus instintos. Guitarras e baixos estavam sempre passeando em seus sentidos, e panos de fundo dantescos também estavam lá e chorar quase sempre era uma opção viável. Respirou fundo novamente, fechou os olhos e passou a ouvir o que seus desejos solicitavam. “Escute as estrelas”, lembrou-se da frase que sempre lhe vinha aos sentidos quando necessitava de algum conselho. As estrelas são como a vida: nascem, brilham por um longo tempo e passam a esmaecer, dando cabo a sua infinita razão de ser e se vão, ou se transformam em algo tão quão poderoso a elas mesmas. A vida é uma fichinha da sorte: a gente se apaixona, faz plano, fantasia toda uma existência e nenhuma delas tem a ver com acabar tudo num piscar de olhos. “Melhor não arriscar”, pensou resoluta. Muito mais havia de ter por perto ,e pensando no que desejava vestiu algo confortável e saiu de casa certa em tomar Sol , enquanto ainda era uma pequena e esperançosa estrela.
Lady Malibe
28 de Abril de 2018