Conto das terças-feiras – Sangue sobre a cama
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 24 de maio de 2018
Jamais gostei de hospital, nele só comparecia quando era obrigado. Mesmo para visitar parente ou amigo doente, eu resistia até onde fosse possível. Inventava alguma desculpa, dizia que estava doente e, para não contaminar o paciente, todos iam e eu ficava em casa, me deliciando de mais uma escapada providencial.
Mas como tudo tem limite, chegou a vez de não encontrar escapatória. Uma hérnia me incomodava muito e o médico falou que eu deveria ser operado urgentemente, sob pena dela estrangular. Tudo foi preparado para o atendimento ao conselho do médico, que queria, de toda a maneira, costurar um pedaço de meu corpo.
Dia marcado, lá estava eu deitado em uma cama de hospital, vestido em uma bata esquisita, toda aberta atrás e que tinha de ser amarrada pelas costas. Não me foi permitido ficar de cueca, isto é, estava quase como vim ao mundo. O médico chegou, perguntou aos seus auxiliares se estava tudo preparado e se chegou próximo a mim, perguntando:
— Tudo bem, senhor Gilberto? Não se preocupe, tudo vai sair bem, amanhã o senhor estará dormindo em sua casa, completou o médico com um sorriso que me pareceu sádico.
— Eu estou bem, mas é a primeira vez que deito em uma cama de hospital, e ainda mais para fazer uma cirurgia.
O médico chegou-se para mais perto de mim e disse:
— Tem mais, como lhe falei logo cedo, o senhor tem um afastamento dos músculos abdominais, diástase abdominal, que poderá aumentar com a idade e com a quantidade de esforço pelo levantamento de peso.
Depois de uma pausa, o cirurgião perguntou-me se eu gostaria de unir estes músculos. Seria um procedimento simples que me faria ficar livre de outras hérnias. Seriam alguns pontos a mais, além dos da cirurgia da hérnia.
Já meio grogue, pois estava sendo sedado, respondi que sim. Não demorou muito eu dormi, vindo a acordar quatro ou cinco horas depois. Primeiro lentamente, depois totalmente. Ainda estava na sala de cirurgia quando percebi, olhando para a minha barriga, aquela quantidade de pontos, parecia mais um fecho ecler, um zíper. Tentei chamar alguém, mas a voz fraca não permitia que quem estivesse na sala me ouvisse. Novamente dormi, vindo a acordar somente na manhã seguinte. À tarde fui para casa, com a recomendação de repouso absoluto.
Com um corte de quase 15 centímetros na barriga, feito a partir de um simples sim de minha parte, eu sabia que teria que ter o maior cuidado, fazer o menor esforço possível para que aquela pequena hérnia não se transformasse em complicação maior. Todo cuidado era pouco, eu, que detestava hospital, acabara de passar por uma experiência muito forte, nada parecido com o que me dissera o médico, antes do início da operação. Até para fazer as necessidades fisiológicas mais primárias eu me comportava receosamente. O medo tomava conta de mim, pouco me mexia, não comia nada, embora não sentisse dor nenhuma.
Cedo procurei dormir, o que aconteceu logo, pois estava cansado de tudo aquilo. Minha esposa, sempre com muito carinho, a todo instante perguntava se eu estava bem, se eu sentia dor e me fazia tomar os remédios receitados pelo médico na exata hora recomendada, nenhum minuto a mais ou a menos.
Todos dormindo em casa, quarto com pouca luz, virei-me na cama, para acomodar melhor o meu corpo e senti fina dor na região da cintura. Acordei assustado, olhei em direção ao local dolorido e o medo me fez ficar estarrecido. Olhei para o colchão e sem ação percebi uma mancha vermelha no lençol branco sobre o qual eu estava deito. Não tive coragem de por a mão no local da cirurgia. Prontamente passei a chamar pela minha esposa, deitada ao meu lado ela dormia profundamente. Chamei pelo seu nome, primeiramente com voz branda, ela não se mexia. Aumentei a voz e ela continuava a sono solto. Gritei seu nome com firmeza, ela, assustada, acordou.
— O que se passa Gil? Você está sentindo alguma coisa?
Eu, apreensivo falei:
— Acho que os pontos da cirurgia romperam, olha quanto sangue no lençol da cama. – Eu disse isso apontando para a região sob minha barriga. Eu não tinha coragem de passar a mão no local onde o sangue se mostrava.
Uilma, sem entender o que se passava acendeu a luz do quarto para se certificar do que estava acontecendo. Eu continuava apontando para o sangue. Foi então que ela puxou o lençol que estava sob meu corpo, acomodando a minha barriga costurada e perguntou:
— É isto o seu sangue?
Ambos soltamos gostosas gargalhadas. Eu não tinha percebido que, para melhor me acomodar, ela colocara um lençol vermelho, dobrado sob a região que sofrera a cirurgia. O medo é uma sensação que cria em nossa mente inacreditáveis perturbações.