Es tu Vergilius?

Quando abriu os olhos, a escuridão tornou-se mais densa. Voltou a fechar os olhos, de olhos fechados a escuridão era mais suave.

Insistiu em abrir novamente os olhos, uma escuridão assustadora caiu sobre seus olhos, quase o cegou.  Fechou os olhos rápido o suficiente para não lesar as “meninas” dos olhos.

Não desesperou a princípio, até porque é uma pessoa muito calma, calma até demais. Mergulhado numa escuridão imensa, sentia que às vezes, seu corpo boiava no topo de um oceano escuro sem profundidade.

Existe uma possibilidade pensou ele, quando abro os olhos, posso estar fechando-os e quando acredito que estou fechando, estou abrindo-os. Pensou: a única certeza era que ou a escuridão era carregada, intensa, ou tanto escura que podia cegar como a luz do sol.

Sentia frio, mas não o incomodava. O corpo estava confortável. Tocou levemente as paredes à sua volta, muito lisas. Onde sua mão tocava, as mãos ficavam cheirando a coisa guardada, não sabia que coisa, mas era de coisa armazenada, isso ele tinha certeza.

A paciência era a sua virtude, nessa situação, alisou o pulso direito e na sequência, alisou o pulso esquerdo. Constatou que estava sem seu relógio, não estranhou, havia adquirido um relógio de pulso a pedido e muita insistência da mãe e da irmãzinha caçula. De boa-fé comprou, mas não tinha o hábito de usar, elegia sempre o relógio de bolso.

A mente se movia em investidas, solavancos, encontrões e repuxões, mas ele se mantinha calmo, a calma era um dote dele. Com sua imaginação e inteligência aguçada, refreou, capturou todos os pensamentos em desalinhos e escoltou-os para dentro de uma das dispensas de sua mente, mantendo-os lá trancafiados. A chave era um pensamento novo.

Lembrou quantas partes tem um minuto. Decidiu contar até chegar a soma de oito horas, deduziu que se estivesse dormindo até o final da contagem, estaria acordado ou acordaria.

Quanto mais o tempo passava, mais Haziel afundava num silêncio que lhe agredia os ouvidos.

Subitamente, foi assaltado por vozes, passos e lamentações. Os sons chegavam fracos, mas o razoável para percebê-los e identificá-los. Tentou levantar, mas não foi possível. Tentou movimentar as pernas, não foi possível, muito menos os braços.

Passados alguns instantes, foi identificando as vozes: pai, mãe, irmãos, colegas, amigas e a namorada. Lembrou do rosto de cada um.  Não sabia onde eles estavam, se embaixo ou acima, à esquerda ou a direita.

Quase todos falavam sobre um tempo atrás, eu estava sempre fazendo parte dos fatos, só minha mãe que chorava. Percebi que alguns que estavam no início, agora já não estavam, um a um foram sumindo, até meu pai, minha mãe e minha irmã. Suas vozes desapareceram.

Suas habilidades de ouvir e de intuir tornaram-se muito boas: de muito longe identificava quem se aproximava, o peso, a cadência do andar, era o suficiente. Identificar pela voz se tornou muito mais fácil.

Passado algum tempo, as reuniões foram diminuindo. Depois de um certo tempo ninguém mais apareceu. Só continuaram os trabalhadores do dia a dia. Sabia que eram operários, por causa da revoada dos pássaros.

Quando a intensidade aumentava, geralmente era o pôr do sol e quando a revoada ia sumindo lentamente era o amanhecer.


Sua capacidade de concretizar os pensamentos em sua consciência era tanta, que passava o tempo todo pensando:  pensava em animais, plantas, debates sobre coragem, riqueza, justiça, determinação, beleza, Deus, tudo sobre as dúvidas existenciais do homem.

-- Haziel! Haziel! Levanta vai, vem comigo vem.

-- Quem é você?

-- Virgílio!

-- Publius Vergilius Maro, que nasceu na cidade de Andes?

-- Não! Não sou esse que você está pensando não!

-- Então por que está me conduzindo agarrado a minha mão?

-- Estou segurando sua mão porque você caiu da carroça e bateu a cabeça no chão. Vamos! Vou te levar para sua casa. Sei onde você mora.

-- Quanto tempo fiquei desacordado? Foi muito tempo?

-- Não, nem meio minuto, assim que você caiu, eu atravessei a rua e te arrastei pela mão.