MINHA HISTÓRIA DE FANTASMA
"A vida é muito breve para se cultivar o ódio".
(Da série de TV "Sobrenatural")
Todos já viram fantasma?
Talvez sim, talvez não.
Mas, com toda certeza, todos somos capazes de ver o passado; algo que já morreu que enxergamos como se vivo fosse.
Basta sair para o quintal à noite e olhar para o céu;
verás milhões brilhos das estrelas.
A maioria está morta, extintas; outras estão longe do lugar em que hoje as vê.
É isso amigo, quando olhamos as estrelas, enxergamos o passado.
E acreditamos, porque a "Ciência", (o deus da atualidade), através dos cientistas, das sofisticadas cápsulas espaciais, telescópios, cálculos matemáticos, provam que o brilho da estrela que enxergamos agora, saiu dela há milhões de anos, percorreu distância de anos luz; e, agora, você a enxerga como se fosse viva.
É nosso mundo; cheio de mistérios.
Dizem que, à semelhança do brilho das estrelas, a vida e a morte tem mesma força e importância, a tal ponto que é capaz de emitir sinais por longo tempo e longa distância.
Essa conversa é para contar um fato: o dia em que possivelmente vi um fantasma - e nem fiquei sabendo !
Há muitos anos, em outra cidade, participei da comissão de uma "festa do peão".
Eu era o encarregado a recolher todo o dinheiro, contabilizá-lo e guardá-lo.
Nessa noite em especial o último evento era o "baile do peão".
Passei pelo salão por volta da uma hora da manhã; recolhi o dinheiro e fiquei mais cerca de meia hora no lugar por conta de uma chuva muito forte.
Terminada a tempestade, fui embora levando a caixa de metal com a grana.
Entrei no carro, no portão despedi-me do vigilante e segui em frente.
Logo adiante eu teria que fazer uma escolha.
Se pegasse o caminho à esquerda eu iria para casa numa rua asfaltada e iluminada; se virasse à direita iria por rua de chão batido, sem iluminação, alcançaria uma ponte de madeira, atravessaria um aterro sobre um grande rio e também chegaria em casa.
A vantagem é que este segundo caminho era mais curto.
Foi o escolhido.
Meu carro andava devagar, desviando das poças de água, da lama, dos buracos e valetas.
Cheguei ao rio, atravessei a ponte de madeira.
Tudo estava quieto, sereno.
O céu sobre minha cabeça não tinha lua; em compensação estava iluminado por milhares de estrelas, realçadas pela escuridão.
Do pântano, (sim... havia um pântano e se essa história fosse inglesa eu diria... "charneca" - que Glória!), do pântano vinha a compassada musica dos insetos, dos sapos, das rãs, das corujas, do chacoalhar dos ramos de "assa-peixe".
Vinha, também, uma brisa que cheirava a putrefação de coisas mortas, suave, sem feder; e, também, cheiro de terra e plantas molhadas; acompanhada de um friozinho da madrugada.
O farol do carro, luz baixa, iluminava o chão.
E foi assim;
enquanto eu atravessava este aterro úmido;
de repente atravessou a frente do meu carro,
claramente iluminado pelo farol...
uma criança, de mais ou menos cinco anos, pedalando uma bicicleta.
A criança estava limpa, como se tivesse saído do banho;
usava calça curta, e calçava meias e sapatos.
Limpíssima.
Ele saiu da escuridão, do lado direito do carro;
atravessou a frente e colocou-se do meu lado esquerdo.
Nesse trajeto ele chegou a parar, colocar o pé no chão,
como se tivesse perdido o equilíbrio,
e depois voltou a pedalar.
Havia um brilho singular, como que para destacar a imagem à luz do farol.
Não fosse a hora e lugar inapropriados, entretanto, seria uma cena comum.
Nesses instantes eu freei o carro e fiquei a observar a cena,
que durou pouco.
Depois que ele passou ao meu lado eu abri a porta,
olhei para o chão para saber se pisava em terra firme,
virei-me para a traseira do carro mas não o enxerguei;
mas gritei: "Ei, garoto !"
Não houve resposta.
Eu segui em frente e logo na primeira oportunidade manobrei o carro de volta.
Retornei pela estrada de terra até o primeiro poste de luz;
não vi mais ninguém !
Com certeza, pensei, ele deveria morar em uma das casas ao redor.
Isso foi na madrugada de sábado para domingo.
Só na segunda feira à tarde voltei a me lembrar do incidente.
Estava eu a degustar uma empadinha de camarão, que de tão boa derretia na boca; e a tomar um café preto, coado na hora, num coador preto de antigo, cuja xícara exalava um perfume gostoso, quando disse à negra:
____ Negra, na madrugada de sábado vi uma coisa estranha.
A dona da lanchonete, que tinha um filho formado médico no Rio de Janeiro e que volta e meia a ameaçava de levá-la embora do lugar para cuidar dela, (mentiroso !!), continuou a lavar os utensílios na pia.
Continuei:
____ Ví um garoto a andar de bicicleta no aterro, depois da ponte de madeira. Eram quase duas horas da madrugada e acabara de chover...
Ela virou-se interessada e perguntou:
____ E a menina? Não viu a menina?
____ Não - respondi - não vi menina alguma.
____ Mas ela estava lá - respondeu Negra - os dois estão sempre juntos.
Ela parou o que estava fazendo, veio até a mim, encheu uma xícara do café que acabara de coar para mim e que restara no bule, bebericou e ficou a me encarar.
Nós dois estávamos interessados em prosseguir a conversa.
____ Muitas pessoas da cidade já viram os dois. É coisa antiga. Sempre de madrugada. Nunca assustaram ninguém... apenas brincam e andam de bicicleta. A menina é um pouco mais velha e se sente responsável pelo garoto.
Demonstrei interesse e ela continuou:
____ Você vinha do recito das exposições em direção à cidade. Assim, do seu lado esquerdo, é possível enxergar uns prédios velhos, abandonados, logo depois do rio.
"Antigamente era uma indústria têxtil. Empregava quase toda a cidade."
"O garoto era filho do dono da fábrica; a menina filha do capataz geral. Moravam todos no terreno da indústria, naquelas casas antigas abandonadas."
Agucei todos meus sentidos para ouvir o restante da história e pedi outra empada de camarão, que mordi e deixei a derreter entre a língua e o palato, para sentir todo delicioso sabor.
Negra continuou:
"Um dia aconteceu a tragédia. As crianças foram brincar na indústria. Não se sabe como meteram-se por baixo das máquinas. Foram sugados pelas correias, roldanas e engrenagens. Morreram esmagados."
Solvi o resto do café e respondi:
_____ Que história triste, Negra !"
"O capataz enlouqueceu e sumiu no mundo. O patrão desativou a indústria e mudou-se para São Paulo."
"Nunca mais voltaram."
"Tempos depois as crianças começaram a ser vistas nas vizinhanças da indústria.
Brincam apenas. Um corre atrás do outro.
Andam de bicicleta. Dão risadas; demonstram felicidade. Sempre na madrugada".
"Hoje em dia ninguém mais se assusta. - completou ela.
"O garoto e a menina estão sepultados perto da capela do cemitério. Se quiser, poderá vê-los."
Sai da lanchonete, subi no carro e fui ao cemitério;
sou daqueles que qualquer desculpa serve para não trabalhar.
Facilmente encontrei os túmulos; situados quase ao lado da capela.
Em cada um deles há um anjo de mármore, braços abaixados, como se demonstrasse a cova.
Olhei para a foto do menino.
Achei que podia ou não ser aquele que eu vira à beira do rio.
A idade era a mesma; as roupas eram outras.
Na foto, o garoto estava de pé, ao lado de um triciclo; não de uma bicicleta.
Era branco, imaculadamente limpo, bem penteado e mesma aparência.
Sorria feliz, pois a foto devia se referir a uma data especial.
Falecimento... "mil, novecentos e cinquenta e cinco".
"...Saudades dos seus pais."
Considerei apropriado fazer uma oração em frente aos dois túmulos.
Depois lembrei-me dos pais, que criaram tão bem crianças tão puras e felizes, a ponto de continuarem a brilhar.
Foram bons hospitaleiros...
E à eles declamei, de viva voz Hebreus 13:2:
"Não negligenciais a hospitalidade,
porque por ela alguns de vós,
não o sabendo, hospedaram anjos."
Volvi novamente minha visão para a fotografia e o garoto continuava a me sorrir.
Um coveiro, que de longe observava, deve ter me achado maluco por falar sozinho e sorrir de volta.
Se indagado eu teria dado de ombros e respondido:
____ Acho que vi estrelas...
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Obrigado pela leitura.
Fiquem com Deus.
Sajob, abril / 2015 + 3