Amores Monocromáticos em Duas Dimensões
Sentada no chão do quarto, imóvel, chorava compulsivamente já fazia quinze minutos. Raul esperava pacientemente Cristine se recompor...
De repente, Cristine gritou com voz chorosa: Mas por quê? Por quê?
- Cris não podemos continuar assim... Está tudo errado. Você sabe... Tudo o que tivemos é inventado. Estamos vivendo um faz de conta há quase dois anos. Faz de conta as nossas conversas, a nossa cumplicidade, as nossas histórias de vida, e até o sexo Cristine. Você é uma mulher maravilhosa, linda, inteligente, mas precisa dar um rumo a sua vida. Precisamos dar um rumo para nossas vidas.
- Raul não me abandona. A gente tem uma música juntos. Lembra? Você ia me salvar... A gente ia ser feliz, quando fosse o momento certo...
- Cristine, você tem 38 anos, um marido, dois filhos. Não vou te salvar de nada. Você é a única pessoa que pode se salvar da sua própria vida... Já falamos disso, não sou a solução dos seus problemas. Nem você é dos meus.
- Então vamos fugir juntos... Esquecer de tudo.
- Cristine, você nunca quis, lembra? Você me convenceu que já estava tudo errado demais para arriscarmos ainda isso. Eu concordo com você, foi o que nos segurou, é o que nos segura. Eu não quero terminar meu casamento. Não vou fazer isso com a Lúcia, com minha filha.
- Raul eu também não quero terminar o meu, você sabe. Na verdade, prefiro continuar como estamos. Foi você quem disse...
- Cris. Desculpa. Tudo o que eu quero é acabar com isso logo.
- Eu não sei o que dizer, o que fazer...
- Então me deixa ir... Vai ficar tudo bem...
- Fica comigo, por favor. Só essa noite... A última noite... – Cristine estava aos prantos.
- Será realmente a ultima noite. Amanha não vou estar mais aqui... Não queria fazer isso com a gente, mas não vou mais aparecer.
- Tenho o seu email...
- Aquele não é meu email pessoal... Eu criei para trocar mensagens com você...
- Não vou mais falar com você? Não é justo sumir para sempre. Você não tem esse direito. E a nossa história?
- Cris, não temos história. Desculpa por ter dizer isso. Mas não temos história. Não temos nada. Não temos amigos em comum, lembranças de passeios que fizemos juntos, eu nunca te dei um presente ou você pra mim, não temos fotos juntos, não temos um restaurante predileto, ou a lembrança do primeiro beijo, da primeira transa, não temos nada. Eu não sei o cheiro da sua pele, do seu cabelo, como você acorda de manhã...
- Pode ser. Mas eu te conheço como ninguém. Sei muito mais sobre você do que qualquer outra pessoa. Mesmo em um período tão curto de tempo...
- Cristine, quanto eu calço?
- Não sei realmente...
- Vê? Não temos nada. Não temos um passado. É como se nunca sequer tivesse existido essa história... Não era isso que queríamos? Por isso nunca nos conhecemos pessoalmente... Para que não nos sentíssemos culpados, para que dormíssemos com nossas consciências tranqüilas. Nunca quisemos um passado. É por isso que não temos hoje um presente, um futuro juntos.
Deu uma pausa, respirou fundo, e continuou:
- Sejamos realistas. Tudo o que temos são as imagens falhadas de nossas câmeras de vídeo, o som de nossas vozes distorcidas pelo microfone e, quando existe risco de nos ouvirem, ou seja, na maior parte do tempo: diálogos em preto e branco na janela de chat. Cristine, me desculpe! Mas não quero mais isso pra mim. Nem você deveria querer.
- Raul não quero mais só isso... Eu te amo muito! Você tem razão, ao invés de terminar, vamos continuar nossa história a partir deste ponto... A partir do ponto em que a nossa história ganha cores, dimensão e um passado. Pela primeira vez na vida me sinto com coragem para mudar... Preciso falar a verdade para meu marido e nos dar, a mim e a você, a chance de um presente. Vou falar essa noite com ele. De hoje não passa.
- Raul?
Raul, que na verdade se chamava Jorge, desligou o programa de bate papo satisfeito, Cristine tinha sido um grande desafio afinal. Um desafio que durara 2 anos. Jorge que na verdade era solteiro e não tinha filhos, tinha uma tara: seduzir mulheres casadas pela Internet.