VIGÍLIA

Mais um dia senti a sensação de acordar sozinha. Meu degredo nu e cru, em sua filiação interna com a desolação. Um cheiro atrelado ao tempo: São seis horas da manhã, e misturada estou ao suor matutino de Madson Barreto de Lima. Em meio a 10 segundos de agonia, vibrei! Ele estava do meu lado. Suas solas dos pés crespos arranhavam nossa colcha de retalhos. Eram os meus sonetos mais profundos. Terminei de acordar, orei e voltei a dormir. Esta foi a primeira noite.

A luz da sala acende repentinamente. Acendeu antes que eu levantasse da cama para acendê-la. Assim também o telefone tocou antes da campainha. Respirei fundo, deixei a ansiedade ir embora. O ordinário então pôde retomar o seu suplício: Toca o telefone, eu me levanto e acendo a luz. Atendo. Uma voz suave, açucarando venenosamente os cantos dos meus tímpanos pronuncia o nome do meu esposo:
- Madson Barreto de Lima, por favor?

Sob a sagacidade dos mais sinceros fingimentos, o tom cordial da minha voz emite as palavras concernentes a ausência daquele homem. Gargarejo minhas desconfianças com as romãs, e volto a dormir. Eu esqueci o ordinário. Era a segunda noite.

Na terceira noite a cama enlague-se sob medida. Sozinha, rolo nela a noite toda, rolando os pensamentos pelos recantos do mundo. A noite vai se perdendo nos meus olhos, e a claridão vai se dando muito mais do que no céu: mais especificamente, desde ás seis da manhã do dia anterior. A terceira noite é a segunda consecutiva sem a companhia de Madson.
-Por onde anda aquele homem, meu Deus?!!

Na terceira noite, voltei do culto esperançosa. A vigília se findou afundando os olhos e o meu coração, rompeu-se o dia e Madson não voltou.

A quarta noite foi minha despedida. Não aguentava mais viver naquele quarto sob a iminente volta de Madson que nunca se realizava. Apaguei pela última vez a luz que abrigava minhas ingenuidades. Saí com Mariana e Madson Filho, fiéis companheiros que atuavam nas minhas constantes vigílias das esperas de Madson. Decidi desaparecer de sua vida morando a duas ruas mais a frente. Não seria mais escrava de Madson. Embora depois de vinte anos sem voltar ao nosso quarto, ainda me pego o esperando.

Madson esvaiu-se do mundo. Constantemente fomentando vigílias para suas mais fiéis beatas, que insistem na crença de sua volta. Madson nunca volta. Ou melhor, ele nunca veio. Sua espera ainda me foi longa. Custou a formação superior dos pequenos e as luzes dos olhos de Madson Barreto Neto, uma criança que parecia tê-lo trazido a mim. Voltei à espera. Passou a primeira noite, a segunda, a terceira e a quarta... O esperei por longas expectativas noturnas. Era quase natural não dormir mais. Amor de expectações. Amor de memórias.

O esperei até o cortejo de Luiz Felipe Nascimento. Varão que esbanjava elegância em suas calças de vinco e bigode contornado. Depois de alguns cafés e trocas de bilhetes em baixo do baleiro, me pediu que esperasse as suas resoluções de vida envolvendo uma mulher e mais três filhas. Voltei à espera. Esperei fielmente. Madson me treinou para as esperas.

Fecundei minha solicitude com os hinos da harpa e os poemas de Adélia Prado. Entre os crochês e as xícaras de café recosturava em novos sabores as minhas crenças. Até que Nascimento veio! E com sua volta, a certeza de que se encerrariam minhas vigílias. Veio com pastor, casa, carro e um salário. Veio comigo, trazendo-me de volta de Madson. Seu carinho também me deixou acordada por muitas noites, resultando em mais um pequeno: Luiz Felipe Filho. Eu amava Luiz Felipe Nascimento! O amava até as seis da manhã de um acordar estúpido que resolveu o procurar em baixo da mesma colcha de retalhos. Esta foi a primeira noite...