OS SINOS DOBRAM
Era um domingo de maio, em São João Del Rei, cidade setecentista de Minas Gerais... Aproximadamente às 17 horas, quando o crepúsculo mescla o horizonte de vermelho alaranjado, os sinos dobram chamando os devotos, para uma procissão de Fé, partindo da Catedral Basílica, percorrendo as ruas, principais, da cidade. Lá é tradição os dobrados dos sinos, que parecem falar, avisar aos moradores sobre acontecimentos diversos... João Pedro, um garoto de onze anos de idade, era uma figura importantíssima na conservação e brilho dos sinos dessa igreja.
Todas as manhãs... O menino acordava muito cedo, quando a Lua ainda nem havia se escondido, para acompanhar seu pai, homem hábil e determinado, no ofício de polir, profissão de polidor de sino, herdada do avô, já falecido. A família tinha um jeito especial de polir, usando água e sabão neutro, que são imbatíveis, antes da aplicação da massa de polimento, já que os sinos eram de bronze, a massa consistia em um preparado à base de ácidos e solventes... Pedrinho dos Sinos, como era conhecido nas redondezas, sabia que, utilizando esse processo, podia recuperar o brilho perdido, até dos sinos desgastados pelo tempo, tornando-os novamente reluzentes... E assim era a sua rotina, aprendendo e auxiliando o pai.
Naquele domingo, o garoto acordou à hora de costume, mas não encontrou seu pai em casa. Dirigiu-se até a cozinha à procura da mãe, Dona Maria, uma senhora muito simples, que estava preparando a massa de pão:
Pedrinho, apreensivo, foi logo dizendo:
- Mãe, onde está papai? Já procurei em todos os lugares.
- Seu pai precisou viajar, meu filho.
O garoto continuou falando:
- Mas, mamãe, quem vai polir os sinos da Catedral, pois hoje será a procissão de Fé, o Sr. João dará conta dos dobrados, mas o polimento, quem irá realizar?
- Você, meu filho! Disse-lhe a mãe, calmamente.
Pedrinho, tomando essa fala mais como uma ordem do que um conselho, pois que era bem educado, obedecendo seus pais em tudo, se prontificou a sair para a empreitada, uma vez que a família era pobre e a principal fonte de sustento vinha dos velhos sinos, da histórica cidade... Entretanto, perdeu algumas horas procurando o material necessário para o trabalho, mas não encontrando o suficiente. Depois de fatigado pela busca, sua mãe lhe disse:
- Seu pai teve que levar todo o material para polir os sinos da igreja de São José, na capital, pois ali vai acontecer um casamento de gente importante...
- E o que farei, então, mamãe?
- Vá com Deus, na Fé que temos Nele... Ele há de prover...
Pedrinho ficou desolado... “Que farei sem a massa de polimento, os panos e as estopas apropriados?” Perguntava para si mesmo... Saiu em disparada pela ladeira abaixo, pois que já perdera mais tempo do que o necessário... Queria que seu pai estivesse ao seu lado, naquele momento... estava bastante preocupado, pois não sabia se podia dar conta do ofício sozinho. Era muita responsabilidade para uma criança da idade dele... Pensou baixinho: “Será que vou conseguir? Meu Deus, me ajude!”. Ele continuou correndo até a Catedral, também conhecida como Matriz de Nossa Senhora do Pilar, que contém rica decoração em talha dourada, possuindo também duas torres com arcos para os sinos... Chegando em frente à Matriz, viu o Sr. João entrando, apressado. O homem, quando viu Pedrinho, esperou-o, e foi logo dizendo:
- Menino, você está atrasado para seu ofício de polir os sinos, preciso deles polidos para efetuar os dobrados. É hora de informar novamente à população da procissão de hoje.
Pedrinho não disse nada, cabisbaixo, pôs-se a chorar... Ele precisava de forças, de confiança em si mesmo, não podia decepcionar seu pai... Foi até o lavabo, pegou a vasilha com água e o sabão neutro e dirigiu-se às torres dos sinos. Assim foi realizando a preparação, com eficiência, deixando-os prontos para o polimento final, o que começou a operar usando sua própria camisa e uma pasta improvisada com o próprio sabão; suas mãozinhas suavam, tanto pelo nervosismo, quanto pelo esforço empreendido e, junto com lágrimas que escorriam de seus olhinhos, se misturavam à pasta improvisada, substituindo o solvente; o que fez com que o brilho se tornasse ainda mais forte. Quando terminou, custava-lhe acreditar no que estava vendo: O brilho era tão intenso que ofuscava sua visão, e os sinos cintilavam, no arco, à hora dos dobrados.
Logo entardeceu, exatamente às 17 horas, os sinos dobraram anunciando que chegara a hora da procissão sair. O garoto estava orgulhoso, pois tudo havia acontecido de maneira satisfatória. Ele, de longe, contemplava-os em seus deslumbres, e eles pareciam até sorrir, agradecidos, pelo trabalho realizado pelo menino.
Até hoje, os Sinos dobram na Matriz de Nossa Senhora do Pilar, com um brilho intenso, nunca visto antes, em nenhum outro lugar.
Elisabete Leite – 25/02/2018