Chuteira

Chuteira

Lembro de quando as chuteiras coloridas foram inventadas, ou pelo menos viraram moda. Foi na Copa de 98. Jogadores de várias seleções usavam chuteiras azuis, brancas, verdes. Muitas vezes, alguma que lembrasse o próprio uniforme ou a bandeira do país representado. Como estava fazendo escolinha de futebol pela primeira vez na vida, pedi logo uma aos meus pais.

Fomos ao shopping. Não demorei muito, escolhi logo uma azul com travas brancas. Não era da Nike ou Adidas, daquelas que só faltavam driblar sozinhas, mas uma da Topper. Foi o que o orçamento deu, mas ela era linda.

Chegando em casa, no distinto bairro da Fazenda Botafogo, não conseguia tirá-la da caixa. Parecia cuidar dela da mesma forma que tratava uma tartaruguinha que ganhei alguns anos antes. Um jabuti, na verdade, Michaelangelo, que nem uma das Tartarugas Ninja.

No próximo dia de escolinha, lá fui eu. Andava devagar, desacostumado com ela nos pés. Parecia um salto alto, muito embora eu nunca tenha usado um. De repente, de tanto que ela chamava a atenção, fiquei com medo de ser roubado no caminho, o bairro era perigoso. Meu pai me disse para tomar cuidado. Azul, assim como o meião e o short. Curiosamente, também estava com uma camisa da mesma cor. Fiquei com medo de me chamarem de Smurf, mas fui assim mesmo.

Chegando à arquibancada do campinho de terra onde era a escolinha, alguns amigos me parabenizavam pela aquisição.

- você é burro? O Mario não vai te deixar jogar. Isso tem trava, não é para campo de terra.

- e você nem joga tanto assim para uma chuteira dessa. É até pecado.

- tá aparecendo tanto quanto aquele tênis que acendia luz atrás que você tinha.

Meleca. Era o apelido do professor-técnico da escolinha. Era também o que eu conseguia dizer de indignação na hora, fiquei combalido tamanho o arsenal.

Pisava na areia com força e pisava na chuteira de volta. Queria disfarçar. Quem sabe as marcas do terrão a conferissem maior respeito.

- Diogo Comba, não vai jogar com esse trambolho aqui. Essa chuteira é um Titanic!

Pois é.

Fui embora para casa devagar mas o barulho das chuteiras no chão me faziam parecer um cavalo cansado do açoite da carroça andando pela rua. Talvez um jumento ou um burro pintado de zebra, tamanha era a atenção que eu chamava.

Acho que nunca mais a usei e nem sei onde parou. Mais uma vergonha futebolística na minha carreira.

Anos depois, mais precisamente 18 anos depois, vou procurar uma chuteira, visto que estava jogando quase semanalmente com meus alunos. Entro na loja e procura por uma, como diz o meme, raiz.

Só vejo chuteiras verdes, rosas, laranjas ou multicoloridas.

Quanto às chuteiras verdes:

(a) Nada de mimetismo no campo soçaite.

(b) Parece uma peça radioativa.

(c) Meu futebol amadureceu muito.

(d) O tom é o mesmo do verde cocô de cavalo.

Quanto às rosas ou laranjas:

(a) Parecem algum doce cheio de corante.

(b) Branquelo, fico meio rosa depois de correr muito, vai parecer cor de pele.

(c) Laranja bergamota, tangerina ou mexerica?

(d) Estou longe do biótipo holandês.

Quanto às multicoloridas:

Conheço nenhum time com mais de três cores. Sou botafoguense, já basta o preto e branco.

- Boa tarde, quero uma chuteira.

- Sim, temos essas aqui da Adidas...

- Não...

- Essas da Nike são lançamento...

- Também não. Tem alguma preta?

- Preta?!

Coloca mais algumas interrogações e exclamações aí.

- Sim, preta.

- Olha, acho que nem o Google deve encontrar uma assim hoje. Já procurou no Mercado Livre ou em alguma feira de antiguidades?

- Err...

- Olha essa. A trava é de borracha sintética feita seguindo os padrões de amortecedores da Fórmula 1.

- Cara, eu fico parado na área estilo Romário no final da carreira. Quase um jabuti. Não vou correr tanto assim.

- Tem essa do mesmo modelo que o Ronaldinho Gaúcho usava!

- Se eu dou um drible daqueles que ele conseguia, acho que quebro a coluna. A minha. Nunca protagonizei um lance digno de uma pintura.

- E essa do Cristiano Ronaldo com o CR7 escrito quase em alto relevo mas com as cores meio borradas querendo simbolizar a velocidade dele partindo para o ataque?

- Opa, quanto é?

Quase torci o pé várias vezes logo na primeira partida. Vontade de amarrar os cadarços e jogá-las nos fios.