Ordinária
Saiu de manhã bem cedo e, após longa caminhada, pegou, como de costume, o ônibus até a estação do metrô. Chacoalhou naquele trem por mais um bom tempo e finalmente chegou ao seu destino.
Passou a mão na vassoura, pano de chão, detergente e um balde. Limpou todo o piso e também as vidraças; tirou o pó, lavou as roupas, varreu o quintal e, depois de deixar cozinha e banheiros brilhando, pegou o dinheiro, separado na véspera, na mesma gaveta de sempre. Foi lá fora, cuidou do cachorro da patroa, trancou a porta e, com muito cuidado bateu o portão.
Desceu a rua, dobrou a esquina e seguiu pela avenida por um quilômetro ou mais, sem pensar em nada.
Na estação acotovelou-se com outros sem-nomes, igualmente cansados, e acabou viajando todo o percurso em pé. Saiu do vagão e foi pra fila do ônibus, que parecia nunca iria chegar. No terceiro coletivo acomodou-se, olhou então para a janela e viu que a noite se aproximava, preguiçosa, alheia a tudo o que acontecia naquele lugar suburbano, onde a vida insistia em se manter ordinariamente.
Finalmente chegara ao seu ponto. Fez um sinal ao motorista que automaticamente desacelerou o veículo que demorou ainda um pouco até parar. Caminhou por aquelas vielas escuras, onde cachorros, gatos e pessoas vadias pareciam não se importar com suas mazelas. Abriu a porta do seu quartinho, pisou um chão de terra batida, procurou suas latas, tratou de acender o fogo e cozinhar o que comer. Pôs um ovo no pão, fechou os olhos em prece e finalmente tomou silenciosamente a única refeição daquele dia, pois não ousava nem internamente consigo dialogar. Depois de ajeitar seu espaço, deitou-se e adormeceu com o terço no rosto. O cansaço era tamanho que nem terminou de rezar. Logo, o sol iria lhe apresentar mais um dia da mesma batalha, onde o mundo lhe seria indiferente como sempre fora.
Cláudia Machado
(Contribuição de Germano Ribeiro)