49

O ônibus, uma lombriga gigantesca e sanfonada, é uma trilha sonora de celulares. Não ser encontrado é impossível. A tecnologia é aliada dos tagarelas de plantão. Vozes e risos estridentes ecoam, vindos de crianças e adolescentes, carregando mochilas cheias de livros coloridos, como os seus sonhos.

Uma parada em frente à rodoviária. Malas e mais malas vão entrando:

___ Vai para o centro?

___ Quanto é a passagem?

___ Para, motorista. Vou descer, peguei ônibus errado!

Já estou atrasada e estas malas sem alça me fazem perder mais tempo ainda. Parece que elas não têm hora para nada. Esta linha é enrolada mesmo.

O ônibus prossegue. Para num sinal. Os minutos parecem intermináveis: um, dois... dez, onze... Nossa! Já estou onze minutos atrasada?

As fofoqueiras colocam as suas novidades em dia:

___ Fulana ficou com Ciclano.

___ Ele é um gato!

___Gato e galinhão.

A esperança por um emprego nos acompanha nesta viagem, que parece interminável:

___ Fiz ficha numa empresa, ontem. Hoje fui chamado para entrevista.

___ Você consegue, cara, tem segundo grau e curso de computação.

Os minutos vão se alongando, intermináveis. Parece que o deus do Tempo e a deusa da Linha Enrolada fizeram um pacto. O de desenrolar esta linha sem um tempo determinado para terminar.

Toca um celular de modo tão estridente, como se fosse o apito de uma linha de trem:

___ Alô! Estou no meu carro, É, cara, comprei um, zerinho, zerinho...

Outra parada. Sobe, com dificuldade, uma senhora de cabelo branquinho. Um rapaz pergunta-lhe:

___ Quer sentar?

___Grata pela sua bondade, moço.

Mas que bondade, nada. Os lugares reservados são um direito dos idosos. É nosso dever respeitá-los e deixar-lhes o lugar disponível.

Um engarrafamento. Parece que houve um acidente com dois carros e um ciclista. O ônibus pára. Os minutos não cedem: vinte... trinta e cinco...

Cada um arrisca um palpite:

___ O ciclista está ferido!

___ Há dois feridos!

___ O ciclista morreu!

Depois de intermináveis minutos, chega a ambulância. O ciclista é levado. Está vivo.

O trânsito, finalmente, é liberado. Parece um mar, com ondas compridas de veículos de todo o tipo. A pressa impera, neste horário. Por falar em horário, que horas são? Meu Deus, estou 42 minutos atrasada. Por que vim por esta linha?

O cobrador pergunta a um passageiro:

___ Não tem R$ 0,10?

___ Não, senhor. Só esta nota de R$ 2,00.

Outro sinal. Mas que linha difícil de desenrolar! O deus do Tempo está contra mim e a deusa da Linha Enrolada está muito endeusada, para o meu gosto.

Uma parada. Crianças descem, em algazarra, próximas a uma escola. Mais gente desce, outras pessoas sobem, servindo ao deus do Tempo, que adora atrasar o meu tempo. Agora já são 48 minutos de atraso.

O ônibus segue sua viagem, vira a esquina. Entra no terminal central. Finalmente o deus do Tempo me dá um tempo e eu consigo me desenrolar da deusa da Linha Enrolada.

Desço do ônibus, esta lombriga gigantesca e sanfonada. Nunca mais pego a linha 49.

Josete Maria Vichineski
Enviado por Josete Maria Vichineski em 16/03/2018
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