O Trem da Morte abalou o céu e desapareceu na vicinal que deságua na Praia de Copacabana. O som se perde na distância e dá lugar a uma equipe de reportagem que estaciona nas proximidades da orla marítima. A repórter parou diante da estátua do homem de ferro. Ela poderia cumprimentá-lo em qualquer um dos nove idiomas que fala, mas preferiu dizer em Português: ‘Ele é poeta. Eu faço rimas’.
Maravilha! Isso é que é definir poesia — disse Robert em alta voz: ‘Não se faz poesia apenas com rima. É preciso melodia, e compasso...’ Há quanto tempo se conhecem o Poeta e a Estrela? A Rosa do Povo nasceu em 1945. Também nasceram em 1945 a Rosa de Hiroshima e a Estrela de Leningrado. Duas estrelas cruzam os céus de Itabira. Faz tanto tempo...
A estrela acha que pode conversar como os mortos: ‘Não há criação nem morte perante a poesia’... Não há guarda-chuva contra o amor que castiga João Cabral.’ ‘ Não há guarda-chuva contra o mundo que tritura as quatro estações da vida...’
Um bando de pombos passa em vou rasante sobre cabeça da repórter. E ela pensou: Ela sentiu alguma coisa morna escorrer em seu rosto. E disse pra si mesma: “Não há guarda-chuva contra as pragas do Egito. “ Não há guarda-chuva contra pombos que sacodem as penas do leme sobre a cabeça do poeta e despejam nele saraivadas de excremento...”
O camera mam corre para pegar melhor ângulo do homem acariciando a estátua de bronze do poeta mineiro.
— Lá vem outra saraivada de excremento caindo do céu.
O assistente desliga a câmera.
Elke abaixa-se, curvada diante de sua impotência, ante o bombardeio aéreo. Interrompe a gravação e foge esbravejando ameaças contra os pombos.
— Imundície. Praga, isto é uma praga!
—Não chames de impuro o que Deus purificou. — disse Robert — A pomba branca é símbolo da paz.
— A branca — disse um transeunte — mas a pomba com uma ramo no bico é símbolo da Nova Era.
A repórter e o câmera afastaram-se. Retirado uns cento e vinte metros do local do bombardeio.
— Quem aquele homem? Quis saber Elke.
— Morador de rua. Deve ser. Quem passa por aqui, certamente, já o viu limpando com uma flanela a estátua de Drummond, como se polisse a imagem de um santo ou acariciasse o próprio santo, respondeu o câmera.
— Parece ter sido uma pessoa importante! Vez por outra, tem pelo menos cinco minutos de lucidez e faz poesias bonitas, bem elaboradas. E declama de cima de um banco qualquer em Copacabana. Depois, não fala coisa com coisa. Cai em si novamente e declama poemas...E caminha na orla até desaparecer de vistas.
— Há muitos mistérios na vida de um morador de rua.
— Cada um tem sua história. Conheci uma mulher que tocava piano e dizia ter morado ricamente em Petrópolis.
— Verdade. Este era no campo. E dizia ser Lampião, o rei do cangaço.
— A cidade está cheia de personagens sem nome, sem mais nenhum papel importante na sociedade, verdadeiros zumbis que vagueiam; mariposas que se deixam aprisionar em qualquer teia de aranha.
— Pode ser! Talvez tenham escolhido um caminho sem volta. Embrenharam-se no submundo das drogas, do crime e da prostituição. E se acham no direito de culpar a família e a sociedade.
— Ninguém pode ser totalmente, dependente, disto ou daquilo.Vai chegar o dia em que a pequena águia precisa abandonar o ninho e voar com as próprias asas.
— Assistencialismo. Estás falando de benefício social.
— Não quero fazer um julgamento coletivo. Mas não consigo entender porque razão o governo de nosso país dá uma bolsa ao usuário de drogas.
— São as águas de Março fechando a temporada de Jobim.
É pau, é pedra, é o fim do caminho...
Perguntado sobre o que queria ser quando crescesse, um morador de favela respondeu:
— Quero ser bandido.
Naturalmente porque viu ou ouviu o bandido sendo transformado pela mídia em herói.
— Quero ser preso, disse o menor.
— Preso pra quê.
— Pra engordar. Ficar famoso e aparecer na televisão.
***
Adalberto Lima, trecho de "Estrela que o vento soprou."
Maravilha! Isso é que é definir poesia — disse Robert em alta voz: ‘Não se faz poesia apenas com rima. É preciso melodia, e compasso...’ Há quanto tempo se conhecem o Poeta e a Estrela? A Rosa do Povo nasceu em 1945. Também nasceram em 1945 a Rosa de Hiroshima e a Estrela de Leningrado. Duas estrelas cruzam os céus de Itabira. Faz tanto tempo...
A estrela acha que pode conversar como os mortos: ‘Não há criação nem morte perante a poesia’... Não há guarda-chuva contra o amor que castiga João Cabral.’ ‘ Não há guarda-chuva contra o mundo que tritura as quatro estações da vida...’
Um bando de pombos passa em vou rasante sobre cabeça da repórter. E ela pensou: Ela sentiu alguma coisa morna escorrer em seu rosto. E disse pra si mesma: “Não há guarda-chuva contra as pragas do Egito. “ Não há guarda-chuva contra pombos que sacodem as penas do leme sobre a cabeça do poeta e despejam nele saraivadas de excremento...”
O camera mam corre para pegar melhor ângulo do homem acariciando a estátua de bronze do poeta mineiro.
— Lá vem outra saraivada de excremento caindo do céu.
O assistente desliga a câmera.
Elke abaixa-se, curvada diante de sua impotência, ante o bombardeio aéreo. Interrompe a gravação e foge esbravejando ameaças contra os pombos.
— Imundície. Praga, isto é uma praga!
—Não chames de impuro o que Deus purificou. — disse Robert — A pomba branca é símbolo da paz.
— A branca — disse um transeunte — mas a pomba com uma ramo no bico é símbolo da Nova Era.
A repórter e o câmera afastaram-se. Retirado uns cento e vinte metros do local do bombardeio.
— Quem aquele homem? Quis saber Elke.
— Morador de rua. Deve ser. Quem passa por aqui, certamente, já o viu limpando com uma flanela a estátua de Drummond, como se polisse a imagem de um santo ou acariciasse o próprio santo, respondeu o câmera.
— Parece ter sido uma pessoa importante! Vez por outra, tem pelo menos cinco minutos de lucidez e faz poesias bonitas, bem elaboradas. E declama de cima de um banco qualquer em Copacabana. Depois, não fala coisa com coisa. Cai em si novamente e declama poemas...E caminha na orla até desaparecer de vistas.
— Há muitos mistérios na vida de um morador de rua.
— Cada um tem sua história. Conheci uma mulher que tocava piano e dizia ter morado ricamente em Petrópolis.
— Verdade. Este era no campo. E dizia ser Lampião, o rei do cangaço.
— A cidade está cheia de personagens sem nome, sem mais nenhum papel importante na sociedade, verdadeiros zumbis que vagueiam; mariposas que se deixam aprisionar em qualquer teia de aranha.
— Pode ser! Talvez tenham escolhido um caminho sem volta. Embrenharam-se no submundo das drogas, do crime e da prostituição. E se acham no direito de culpar a família e a sociedade.
— Ninguém pode ser totalmente, dependente, disto ou daquilo.Vai chegar o dia em que a pequena águia precisa abandonar o ninho e voar com as próprias asas.
— Assistencialismo. Estás falando de benefício social.
— Não quero fazer um julgamento coletivo. Mas não consigo entender porque razão o governo de nosso país dá uma bolsa ao usuário de drogas.
— São as águas de Março fechando a temporada de Jobim.
É pau, é pedra, é o fim do caminho...
Perguntado sobre o que queria ser quando crescesse, um morador de favela respondeu:
— Quero ser bandido.
Naturalmente porque viu ou ouviu o bandido sendo transformado pela mídia em herói.
— Quero ser preso, disse o menor.
— Preso pra quê.
— Pra engordar. Ficar famoso e aparecer na televisão.
***
Adalberto Lima, trecho de "Estrela que o vento soprou."