1032-O GOLPE DO SEQUESTRO - Cotidiano de violência

O GOLPE DO SEQUESTRO

Atendi com presteza habitual o sinal do telefone e imediatamente, tão logo eu disse “alô”, uma voz masculina, jovem e esganiçada explodiu no meu ouvido:

— Pai, me ajuda! Me sequestraram! Me ajuda! Eles vão me matar, pai!

Embora a voz me fosse completamente desconhecida e não se assemelhasse, em absoluto, com as vozes de meus dois filhos, lembrei-me deles no instante, claro. Mas, ao mesmo tempo, sabendo que ambos estão seguros em suas residências, Alex em Trancoso, na Bahia, e Maurício em Saint Louis, Estados Unidos, percebi no ato tratar-se do golpe do sequestro de filho.

Diversas pessoas de meu circulo de conhecimento já foram vítimas desse golpe: algumas mencionam logo, respondendo ao apelo, o nome de um filho, e aí se facilita a consecução do golpe. Sob a ameaça de maltratar ou até mesmo matar o “filho”, o pai deve fazer uma transferência eletrônica de quantia razoável.

Os bandidos não pedem muito para não retardar a transferência, caso o pai não tenha o disponível em sua conta e a promessa é de liberarem o “filho” tão logo o dinheiro do resgate é creditado na conta cujo numero é indicado.

Bom, não me apavorei. Respondi:

— Filho! Não tou reconhecendo a sua voz. Não fique apavorado. Só quero saber quem tá falando.

A voz desesperada fez que não ouviu e prosseguiu:

— PAI! Me socorre. Eles vão me matar se o senhor não me escutar.

— Sim, filho, mas sua voz tá diferente. Qual dos dois está falando?

— PAI! PAI! Ele tá com o revólver no meu ouvido! Já vai puxar o gatilho!

— Mas qual é o meu filho que tá falando. Preciso saber nome.

— Pai! Pai!

— Qual dos dois está falando?

O telefone desligou.

Devolvi o fone ao berço e fiquei pensando no marginal, com certeza um bandido na penitenciária, falando no celular contrabandeado pelo seu advogado na ultima visita, comentando para o colega de cela:

— Esta melou, mermão. O véio quiria saber qualé dos dois fio tava falando, num falou o nome de nem um nem outro. Disgraçado.

Olhando para o aparelho, telefone fixo residencial, chego a seguinte conclusão:

Tá na hora de cancelar o telefone fixo. Só serve para receber mensagens de tele-marketing ou de ameaças como esta.

Continuei pensando:

E assim segue a violência neste nosso lindo país deitado eternamente em berço esplêndido sendo explorado, roubado, vilipendiado, seviciado, estuprado e paulatinamente conduzido a um triste e inglório fim.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 18 de outubro de 2017.

Conto # 1032 da Série 1.OOO HISTÓRIAS-PLUS.

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 13/03/2018
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