A ENTREVISTA
Parado diante do extenso muro coberto de flores azuis, Miguel ansioso e preocupado sentia mãos e pés suados e frios enquanto a cabeça parecia ferver, o coração batia violento naquele que podia ser um dia de mudanças em sua vida. Nervosamente passava as mãos pelos cabelos e olhou-se no retrovisor do carro que havia alugado, checando se estava apresentável, o terno alinhado caía distintamente, os cabelos curtos, cacheados e castanhos, sobressaíam harmonizando com seu rosto oval e de traços regulares. Olhos brilhantes refletiam sua inquietação, tinha 29 anos e havia se esforçado muito para ter aquela chance. O portão permanecia fechado e um rapaz fez sinal com a mão para que o carro se aproximasse. - Senhor Miguel, desculpe. O portão emperrou, mas o encarregado da manutenção já está aqui para consertar, posso perder o emprego por isso, olhou preocupado para Miguel - seria um atrevimento pedir dez minutos ao senhor? Se eu comunicar agora ao patrão sua chegada e este fato vou ser despedido... O rapaz esperava a resposta de Miguel, este por sua vez lembrou-se de que já havia passado por situação igual a do rapaz. - Tudo bem amigo, eu espero sem problemas. - Miguel viu o rapaz suspirar e sorrir aliviado, agradecendo muito. Dentro do carro estava confortável, pensou, só precisava relaxar, pois estava adiantado em relação à hora agendada. Recostou- se enquanto lembrava fatos de como havia sido até ali. Os pais o haviam tido em plena juventude, sua mãe com 17 e o pai com 16 anos, não haviam doado mimos ou atenções. Recordou- se da conversa que havia escutado escondido onde soube que havia sido gerado em uma escada, impulsivamente. Cresceu à revelia, pais sempre ocupados com outros assuntos, a avó já falecida era o referencial materno. O pai agora com 45 anos havia conseguido uma boa posição financeira, era arquiteto bem procurado. Sua mãe havia se formado professora, mas não exercia a profissão. Miguel olhou seu smarth, estava cedo ainda. Ele não tinha irmãos nem muitos amigos. Lembrou- se do Bulling, quando havia engordado após a puberdade. Aquilo havia passado, estava bem agora pensou ele, franzindo as sobrancelhas espessas, pensou em Luiza, sua namorada, as expectativas e planos feitos juntos em relação ao futuro. Ele sempre estava ansioso, tenso, havia lutado contra a baixa autoestima. Concluíra o Curso de Administração na Universidade sem facilitações por parte dos pais e estava ali para agarrar a oportunidade de sua vida. Resolveu se analisar enquanto sua mente voava... uma de suas metas era provar ao pai, Jorge, seu valor. O pai era exigente, autoritário, Miguel havia se cansado naquela busca inútil. Olhou-se por dentro- Não tenho medo de trabalhar, mas sei que no emprego, assim como lá em casa, não escutarão minhas idéias. - De fato o rapaz nunca conseguia explanar seu ponto de vista, no primeiro sinal de irritação da outra parte envolvida, ele recuava. Discussões e argumentos não ouvidos era sempre assim, ele balançava a cabeça enquanto discorria mentalmente consigo. Movia-lhe um sentimento de incompletude. Ele queria ao menos ser ouvido, sabia aceitar diferenças e era passível de aceitar uma idéia melhor que a sua, mas quando vinha- lhe uma excelente estratégia ou plano para incrementar os negócios colocavam- lhe em ponto morto e não conseguia ao menos explicar detalhes. Já havia tido três empregos anteriores e aquilo se repetia. Será, perguntava agora, que conseguiria enfim acabar com seu "Complexo de mola encolhida". Ele sorriu: - Mola encolhida, seu Miguel! Você é a tal molinha enferrujada e apertada... bom, ao menos não fiquei rabugento ou azedo, seria horrível ser assim, chato ao cúmulo. O pensamento dele voou na lembrança da namorada, Luiza era divertida, segura, e ele havia se encantado por esse jeitinho dela. Havia conhecido Luiza na Universidade. Lá era apelidada "menina toda”, pois era despachada e sabia seu valor. Ele lembrou o dia do trote, os dois pintados de verde e vestidos com sainha colorida, ela o achando meio matuto e bobo... Olhou seu smarth, já haviam se passado vinte minutos e nada. Sinalizou para o rapaz buzinando. - Meu amigo eu preciso entrar! E o rapaz aflito: - Senhor, o encarregado já está fazendo. Desculpe este tempo, mas sei que está agendado para um pouco mais tarde, então... - Escute aqui, Miguel interrompeu irritado- eu procurei ver o seu lado rapaz, mas também preciso cuidar do meu entende? Me indique outro portão de acesso e tudo bem. - Mas senhor, se eu fizer isso vou ter que prestar contas, pois as catracas registram os movimentos. O outro é só para cargas e... - Amigo tenho uma entrevista. Não posso chegar em cima da hora entendeu? Preciso entrar aí! Agora! E o rapaz suava em bicas: - Senhor, por favor, espere mais um pouco!! - Não posso mais! Que seja a entrada alternativa. Se não me deixar entrar agora vou ligar para o encarregado e contar que estou sendo impedido, e aí você vai mesmo prá rua!! O rapaz fez então algo inesperado, pegou um chaveiro e arremessou pela janela da guarita em direção à Miguel, gritando: - Já que vou mesmo para rua, tome aí seu... gritando vários palavrões e agitando as mãos. Miguel ficou extático. Foi aí que o portão começou a deslizar devagar, abrindo caminho, e a primeira coisa que viu foi um guarda da segurança correndo para verificar o que estava acontecendo. Miguel entrou com seu carro e o segurança veio ao seu encontro enquanto o rapaz havia ficado em silêncio, pálido como cera. - Senhor, o que está acontecendo aqui? - Miguel olhou pela janela, porém antes que abrisse a boca ficou pasmo. O homem era a cara de seu pai! Parecia até um clone tamanha era a semelhança entre eles! Imediatamente várias associações vieram rápidas ao seu pensamento. - Então senhor??? O senhor está bem?? - O guarda olhava- o sem entender. - Si sim... gaguejou. - Foi uma discussão entre pessoas aí fora! Gritavam mas já se foram, obrigado! - O porteiro, parado olhava sem entender porque não havia sido acusado das ofensas que havia dito, o segurança acabou dando bom dia e partindo de volta ao posto. Miguel lembrou então do seu Complexo de mola encolhida. Estacionou o carro e foi falar com o porteiro. - Escute aqui, eu podia ter acabado agora com seu emprego! Você me xingou e me ofendeu muito cara! . - Me diga, se estivesse em meu lugar, o que faria? Agora, vou avisar para você se portar direito comigo assim como estou falando com você. Como se chama? O rapaz ficou sem graça e com a cara vermelho tomate. - Me chamo Pedro, respondeu. - Então Pedro, o que você faria heim? Silêncio constrangedor se fez. - Desculpe senhor! Eu vi que não me denunciou. Disse envergonhado. Miguel viu que estava passando uma situação muito semelhante ao desempenho profissional em sua vida até ali, porém Pedro vivia agora o seu papel. Estava sem direito à explicações, ele nem tinha para dar. Olhou para a hora. Faltavam 25 minutos. O rapaz o observava angustiado, esperando o que ia vir. - Olha só Pedro, isso que você fez foi impulsivo e sem pensar direito. Em nenhum momento eu te ofendi. Preciso muito desse emprego, assim como você do seu. Tenho planos assim como você também deve ter. Miguel olhava- o nos olhos. - Não somos tão diferentes assim... Pedro mostrava-se surpreendido. - Pretendo me casar e esse emprego é base de todo meu futuro. Então que me diz? Estou te dando uma chance para se explicar, coisa que é difícil acontecer hoje em dia. -Senhor eu lamento minha conduta. Que posso dizer?Foi injustificável, dei margem ao nervoso e... nem sei mais o que falar... desculpe senhor! Eu errei! - Isso foi uma explicação convincente. Eu aceito suas desculpas e que termine agora esse fato. Está tudo bem então. - Posso cumprimentar o senhor?Pedro estava aliviado... - Claro que pode! Pedro sentiu os olhos húmidos, - Obrigado senhor Miguel. Ganhou um amigo e tudo que puder farei para te ajudar aqui. - Primeiro preciso ter o emprego! - Respondeu Miguel sorrindo discretamente. - Claro que vai ter ! Eu vejo que o senhor é um homem bom!! - Então torça por mim Pedro, eu preciso ir agora. - Deus vai lhe guiar!!! Ele abençoe muito o senhor!!! Vou levá-lo até o lugar assim não perderá tempo procurando. Pedro o levou então a ante-sala onde seria feita a entrevista. Passou- se 8 minutos e seu nome foi chamado. - Bom dia senhor... Miguel! - Bom dia! - Eu me chamo Guilherme e sou supervisor. Prazer em conhecê-lo. Gosto de ser direto. - O prazer é meu senhor Guilherme. - Então... se você entrar em nosso time vamos ser colegas de trabalho e aqui não usamos tratamentos, só nomes. Todos participam então somos colegas com respeito uns pelos outros ok? Miguel achou aquela entrevista diferente das outras. - Bom senhor Miguel, o que pensa fazer por nossa empresa que me leve a contratá-lo? Nossa Miguel pensou, direto ao ponto de verdade. - Eu pretendo somar idéias, ouvir outras que sejam apresentadas e fazer o melhor para o crescimento de nossa empresa. Eu digo nossa, pois a partir do momento que eu seja parte da equipe vou me empenhar completamente e fazer tudo o que puder para essa empresa crescer e se desenvolver cada vez mais. - Miguel você está conosco. Não precisamos de mais. Seu currículo é excelente tendo todas as especificações. - Miguel abriu um sorriso feliz. - Começo a hora que desejarem, Obrigado!! - Vai começar já. Hoje mesmo será informado de tudo. Vou lhe mostrar sua sala. Aqui trabalhamos como equipe. Ao fim do dia, quando feliz ia voltar para casa, viu Pedro ir apertar sua mão. - Senhor, é de coração, meus parabéns! Que seja muito feliz aqui!! - Senhor não Pedro, meu amigo, Miguel. Agora fazemos parte da mesma equipe!! Terminou seu expediente? - Sim senh... Sim Miguel! Pega uma carona comigo até o ponto então. Vou devolver esse carro e a locadora tem uma agência bem ali. - Enquanto esperamos o ônibus você me conta da empresa. Tudo bem? - Claro obrigado. Pode sempre contar comigo meu amigo. - Então vamos que amanhã precisamos trabalhar!