Mendigo

Sem importância do dia, o mendigo estava sempre ali, aquecendo-se em seus jornais ao lado do vendedor de cachorros quentes. A fome lhe consumia o estômago o suficiente para parecer que o perderia. Seu único desejo era saciá-la, porém não negaria um teto se lhe fosse oferecido.

Todos os dias um homem bem vestido passava por ali a caminho do trabalho. Para outras pessoas o mendigo era invisível, e as poucas que o viam tinham nojo ou medo. Mal sabiam elas que quem realmente temia era o mendigo. Ele se afastava a cada novo par de sapatos que se aproximava. Fazia de tudo para não entrar no caminho deles. Os únicos que realmente o enxergavam naquela rua eram os cachorros, os gatos e aquele homem que sempre parava para comprar dois cachorros quentes. Dava um ao mendigo e mordiscava o outro enquanto continuava a caminhar.

Naquele dia, pontualmente às 7h50 da manhã, o homem bem vestido passou. Como sempre, dois cachorros quentes. O mendigo tentou agradecer, mas sua fome não o permitia tirar a comida da boca. Por isso ele só acenou com a cabeça. Sem notar, o homem seguiu seu caminho.

No outro dia a cena se repetiu. Um cachorro quente pela manhã, o resto do dia sendo invisível. No próximo a mesma coisa. Até que chegou um em que o homem passou pelo outro lado da rua. O mendigo demorou um pouco para perceber que não teria cachorro quente naquela manhã. No outro dia a fome também permaneceu. Mais dois dias se seguiram na nova rotina. Pessoas passavam e o máximo que o mendigo conseguia delas era um jornal para se aquecer. “A CRISE ATINGE COM FORÇA O BOLSO DO CIDADÃO”, estava escrito em caixa alta nos papeis. Mas o mendigo não sabia ler. Para ele os jornais serviam somente como esconderijo do frio noturno.

Na nova manhã, o mendigo decidiu sair de seus jornais e abandonar o vendedor de cachorros quentes. Esperou o homem bem vestido passar do outro lado da rua. Assim que ele apareceu, o mendigo foi atrás. Seguiu-o pelas calçadas sem ser notado. Pensou que talvez tivesse se tornado invisível para o amigo também. Mas o mendigo era decidido. Continuou com seu plano até que o homem entrou em uma loja. O mendigo parou em frente à vitrine, olhou através do vidro o homem bem vestido sentado atrás de uma mesa. O mendigo se sentou ali mesmo e encarou o rosto do homem. Um tempo se passou até que a cabeça se levantou e os olhos dos dois se encontraram. Um sentimento medroso passou pelo peito do mendigo. Mas o homem sorriu ao vê-lo. De repente o mendigo foi preenchido por uma estranha alegria. Então ele sorriu de volta, mas também abanou o rabo.