Um copo d'água!

Meiou o copo d’água e virou como se fosse pinga, chegando até a enrugar as bochechas no final, quando o líquido refrescava-lhe a goela. Bateu delicado com o copo na mesa e fechou a geladeira cambaleando.

- Ô vida... – murmurou. – Garçom, vê mais um! – E desta vez foi arguto, tirou a pinga da torneira, meia dose. Virou. – Ninguém merece cachaça quente! – Imaginou-se um beberrão de gabarito, mesmo sem saber nada. Foi voltando pra geladeira.

Terceira dose, dobrou os pés e foi dançando até espatifar no sofá. De repente já estava chorando. Como foi que a vida lhe fez tudo isso? Como foi que tudo desmoronou como uma casinha de meia altura feita só de cartas? Quando foi que o preço do álcool subiu tanto?

E no sofá ele ficou. A casa era pequena, as roupas não encontravam de jeito nenhum seu lugar nas gavetas – preferindo, assim como ele, o sofá –, mas nada era tão bom quando a grande janela que estava de frente. À frente do grande sofá – graças ao esforço de seus bracinhos magros.

Ele contentava em atravessar só a vista, ao invés do corpo inteiro, por aquele vidro. Contentava em ver os prédios parados e não subindo, cobrindo suas costas enquanto ele alçasse um voo sem asas. E era somente pela vista que ele ficava. Por saber que, se visse de outro jeito, seria a última vez.

Recusava-se a abandonar o sol morno que penetrava ali em todas as manhãs, refletindo imagens de outros arranha céus. E era quando pensava assim que se lembrava do porque estava espalhado naquele sofá: pois um dia ele quis arranhar os céus, assim como aqueles topos afinados que agora lhe pareciam mais altos que o de sua casa.

A verdade é que ele um dia desejou tocar nas nuvens, mas tudo que tinha agora eram uma janela e uma boa vista daquilo que nunca pôde arranhar.

O corpo se aprumou mais um pouco, lançou três camisetas do braço do sofá para o chão. Gritou assim:

- Mais uma dose! – E ninguém veio.

O maldito copo se esvaziara outra vez e não haveria ninguém para enchê-lo se não fosse ele. Ergueu-se, abriu a porta da geladeira, meiou, cambaleou e sentou. A janela estava um pouco fora de foco, talvez já passasse dos limites. Mas a manhã estava tão bela que não podia se apagar. E mais uma vez, como em todos os dias, os prédios lhe apareceram somente de longe, carregados com fortes impulsos de melancolia que nunca se realizavam, porque a manhã era sempre tão bela.

- Ô vida...