PERFEITA PARA VOCÊ
Pi, pi, pi, pi, pi...(alarme da porta do trem)
As portas se fecham.
Mas um dia comum.
Sem novidades.
Trem cheio, pessoas desconhecidas, algumas com traços familiares que são justificadas pela rotina, fones no ouvido, celulares nas mãos, caras de paisagem, de sono, bocejos formando um tipo de "olá" em perfeita sincronia.
E eu era mais um nessa multidão com esses mesmos sintomas.
Ao mesmo tempo que ouvia uma playlist com as musicas mais ouvidas por mim mesmo, atualizava minha time line, ignorava as mensagens de bom dia dos infinitos grupos, curiava as Historys de famosos (ou dos que acham que são) e praticava meu incomum hábito de traçar perfis nas pessoas ao meu redor.
Funciona como se fosse aquele jogo de tabuleiro Cara a Cara (eu sempre ganho) mas nunca sei se fui bem, aliás não faria diferença saber.
Cara fechada, cabelo curto penteado no estilo "vó", terno preto com branco, mochilas nas mãos, fones de ouvido ouvindo talvez um..... eu não faço ideia o que.
Segurança, ele deve ser segurança de alguma coisa (shopping, prédio domiciliar ou empresarial) e o que me levou a esse pensamento foi a bota preta que sem critério nenhum eu a julguei ser utilizadas por seguranças. 1X0 pra mim.
Sentada em um banco preferencial ao lado da porta central do vagão (que foi concedido por um jovem homossexual {pré conceito} que trabalha em um callcenter {crachá HBO}), cabelos grisarios (brancos), curtos, no estilo bisavó (talvez era tatara), saia (longa demais para ser curta e curta de mais para ser longa) em um jeans preto (já cinza) , camisa ou blusinha listrada (nunca sei diferenciar quando minha esposa compra uma blusinha ou uma camisa) óculos quadrado em um tom cobre com armações e lentes grossas, aquela cordinha pendurada no pescoço (para evitar que o óculos caia no chão e ela nunca mais consiga pegar) uma sapatilha de velha e uma bolsa de punho que ela segurava rente ao corpo com as alças entrelaçadas em suas mãos como se tivesse acabado de resgatar o premio acumulado da mega sena (talvez tenha mesmo, já que essa benção só eh concedida a esse publico {mais um dos meus julgamento sem critério}).
Vai ao hospital. Sem dúvidas vai a um hospital.
Para mim, pessoas dessa idade que se dispõem a se aventurar e enfrentar esses trens lotados pela manhã so podem ter algum tipo de consulta marcada que devido a agenda lotada do convênio era o único horário disponível. Coitados.
2X0 pra mim.
Mais uma estação passa, e o trem fica um pouco mais "confortável" (agora pelo menos da para ver o chão).
Uma garota entra. Fones no ouvido, cabeça baixa, celular em modo retrato(sim, Netflix), atenta (desatenta), como se estivesse assistindo a final dos play offs (Cavs vs Warriors). Sentou no Banco preferencial ao lado da tiazinha (a bisa) e sem olhar para ninguém permaneceu atenta ao display do aparelho (seja la o q estiver acontecendo na tela, o bagulho tava Louco). Cabelos vermelhos trançados (no estilo Sansa) , camisao xadrez vermelho e preto, calça jeans rasgada, tênis. Callcenter. 3x0.
Na minha mente veio a curiosidade momentânea de saber o que ela estava assistindo, mas logo passou.
A sua frente a esquerda duas possíveis amigas conversando. As 2 conversavam enquanto mexiam cada uma em seu celular sem olhar uma para outra, tão estranho mas cada dia mais comum.
Uma linda negra de cabelo megahair tipo 4A ou B (quando vc se casa com uma mulher negra, vc acaba se tornando especialista em cabelo afro) .
Durante minha "análise", algo me chamou a atenção e interrompeu meu jogo, a menina de cabelo vermelho do Netflix estava com outra feição, parecia abatida, olhos marejados, como se tivesse acabado de receber uma notícia ruim ou brigado com o namorado (ou ela podia estar assistindo A Cabana). Estava tentando conter as lagrimas e por mais forte que ela tentou ser, acabou deixando uma lágrima escorrer. Com uma das mãos a enxugou ( já não parecia mais A Cabana)
as pessoas ao seu redor (a bisa, o gay, o segurança, as "amigas") notaram a dor dela. Mais lagrimas escorreram, agora em abundancia. Ela passou uma emoção comovente, sofrida, que pelo menos eu senti a necessidade de oferecer ajuda mas veio aquele bloqueio do tipo " vc não tem nada ver com isso", " não eh da sua conta", " quem pediu sua ajuda" e mesmo que não acontecesse isso o que eu faria para ajudar? Não tinha agua para oferecer, não sou um bom conselheiro, então só me restou observar (poderia ter salvo uma vida {só modo de dizer}).
E sua dor foi exposta de forma explícita. Ela começou a chorar de soluçar, de soar o nariz (morte ou termino de namoro, certeza). Todos os olhares estavam voltados a ela agora. Notei que ela estava tímida com a situação que havia causado (involuntariamente) e pela primeira vez levantou a cabeça e encarou as pessoas ao redor. Alguns desviaram o olhar (se fazendo de louco kkkk) outras a encaravam prontas para apertar o botão de emergência (e atrasar todo mundo) , mas nenhuma ação tomada (talvez pelos mesmos receios que eu). E as lágrimas e soluços continuavam.
Tudo mudou quando a senhora ao lado (bisa) tomou a iniciativa e com uma voz doce de (tatara) perguntou:
- Minha jovem, aconteceu alguma coisa? O que foi?
Nesse momento todos ficaram atentos a espera da resposta (como se fossem cobras Naja prontas para o bote) ate as pessoas que estavam mais distantes perceberam que havia algo de estranho acontecendo, todos olhando para a menina, uma menina chorando (pensaram ate ser um caso de abuso ou roubo).
Por um momento o trem pareceu vazio e só se ouvia o barulho do balanço dos vagões sobre os trilhos (e a suada de nariz).
- Han? A menina respondeu confusa.
- ‎Eh que vc esta chorando.
- ‎ha, não eh nada não, é que estou assistindo um filme triste, onde a menina descobre que esta com câncer e no dia do casamento ela morre, muito triste.
A velha confusa e sem entender mais nada retruca:
- ‎Ha minha filha, pensei que fosse algo mais grave.
(Na cabeça da senhora acho que ocorreu um conflito de gerações e uma vontade imensa de bater na menina para ela chorar de verdade ou um alívio por ser apenas TPM) o segurança que tinha tirado o fone dos ouvidos esperando a resposta, deu uma risadinha e colocou o fone novamente balançando a cabeça em forma de negação.
As 2 "amigas" fizeram cara de "Aff" (tipo aquele emotion com os olhos virados) viraram a cara e voltaram a "conversar".
Por incrível que pareça a resposta não me surpreendeu (talvez por eu ter uma mulher da mesma geração com o mesmo problema emocinal. Teve um dia que ela chorou em um filme de terror com dó da morte de um personagem. Aff {emotion}).
E o gay? O gay perguntou:
- Mona, que babado eh esse? Já quero assistir.
E menina respondeu:
- PERFEITA PARA VOCÊ, esse eh o babado.