ROBERTA CHEGOU

ROBERTA CHEGOU

Roberta chegou ao apartamento de sua prima Joana pra morar com ela, mas não a conhecia pessoalmente. Ansiava por conhece-la, afinal eram parentes. Dez anos separavam as suas idades. Quando Roberta nasceu, Joana era uma menina de dez anos. Ambas nasceram e foram criadas em cidades diferentes, longínquas e em regiões opostas do interior do estado. Quando completou vinte anos, ela não quis mais ficar na cidade natal. Soube, então, que a prima fez há algum tempo, o que ela decidiu fazer naquele momento: trabalhar, estudar e morar na capital.

Moça pacata, boa índole, natureza tranquila, depois de concluir o segundo grau, ficou sem opção pra continuar os estudos, arrumar um emprego, fazer um curso técnico, ou quem sabe, até uma faculdade. A prima morava na capital, era mais velha e mais experiente. Até então, segundo soube, era solteira, morava sozinha. Ao lhe permitir que fosse morar com ela, não pensou duas vezes. A pequena cidade onde morava, não lhe oferecia condições de ter um futuro de vida melhor. E ela precisava ter a sua própria condição de viver, trabalhando, estudando, certamente alcançaria os seus objetivos existenciais.

Ao viajar, não levou muita coisa, a bagagem se resumia numa mala e uma sacola. Pegou o ônibus no início da manhã e no final da tarde chegou na capital para viver a sua nova vida. Dentro do táxi, a moça do interior, que não conhecia a capital do próprio estado onde nasceu, se distraía deslumbrada, olhando a paisagem urbana repleta de pessoas, veículos, arranha-céus, praças e jardins bem cuidados, largas avenidas, e a orla marítima decerto foi o trecho que mais a encantou, revelado no singelo sorriso após contemplar a beleza natural das praias movimentadas, das ondas esbranquiçadas, das águas multicolores do mar, que o via naturalmente pela primeira vez.

Estava anoitecendo quando o táxi parou em frente do edifício de três andares. Roberta esperou que o taxista tirasse a sua bagagem do porta-malas, pagou a corrida e o agradeceu. Gentilmente ele também lhe demonstrou gratidão e lhe desejou boa sorte. O bairro era popular e ficava entre o centro e o subúrbio da grande metrópole. Era domingo, e aquela hora, tinha quase certeza que a prima estava em casa. Notou que não havia ninguém por ali, um garoto que fosse pra ganhar uma moeda, que a ajudasse a subir com a bagagem pelas escadas.

Melhor assim, se não conhecia ninguém, não era oportuno se expor, pensou. Como Joana lhe disse que morava no primeiro andar, ela mesma podia, fazendo um certo esforço, subir com a própria bagagem. Então, após um profundo suspiro, ela subiu lentamente os poucos degraus de acesso ao primeiro andar composto de dois apartamentos. Como tinha o endereço, que Joana lhe deu pelo celular, sabia que o dela era o da chegada.

Depois de alguns instantes, um tanto cansada, nem tanto pelos poucos degraus subidos, mas pelo peso da bagagem que teve que carregar sozinha, chegou, enfim, diante da porta de morada da prima. Após outro prolongado suspiro, apertou a campainha. Logo a porta se abriu. Assim que a viu, Joana a saudou, sorrindo:

- Olá, Roberta, boa noite!

- Boa noite, Joana, como vai?!

- Eu vou bem, prima, e você?

- Bem, também. Estou chegando pra tirar um pouco de sua privacidade.

- Não pense assim. Será um grande prazer lhe ajudar e dividir a minha modesta morada com você. Morar sozinha é bom no início, mas depois de algum tempo, você acaba sentindo falta de uma companhia. Como não tenho ninguém, nesse caso, você chegou pra isso, pra ser a minha companheira, não é mesmo?!

Achando estranha a colocação de Joana, Roberta olhou-a e lhe sorriu meio sem graça, concordando, porém, lhe explicou:

- Eu sempre morei com os meus pais, prima, então, não posso lhe dizer se é bom ou ruim, no entanto, penso que no início, para quem está habituado a viver em família, a sensação de está sozinha é de que foi abandonada, desprezada, ou que estivesse sozinha no mundo... Mas claro, que é só uma suposição, porque no seu e no meu caso, fizemos essa opção porque temos os nossos objetivos de vida, a nossa família está no interior, sabe que nós estamos aqui e a qualquer momento podemos lhes falar pelo celular, e eu lhe sou grata por me acolher, somos primas, embora não tenhamos nos conhecido durante todos esses anos, pelo fato de nossas famílias morarem em regiões distantes e opostas, mas aqui estamos, uma diante da outra, para nos conhecermos e vivermos essa nova experiência de morarmos juntas...

- Será sim, Roberta, uma nova e saudável experiência de vida. Você não se sentirá só, pois terá a mim, o meu apoio, o meu amparo, o meu carinho, para que você se sinta em casa. Eu estou há dez anos na capital, não a conheço toda, mas o suficiente pra desenvolver a minha vida. Nos primeiros anos não foi fácil, tinha que trabalhar, estudar, morei em pensão algum tempo, depois em dois quitinetes, e quando me formei em Técnica em Enfermagem há três anos, me mudei pra esse quitinete, dos três que morei esse é o que mais gosto, só que agora, com você aqui, com calma, procuraremos um apartamento de dois quartos, afinal, se a família aumentou, o espaço doméstico também precisa aumentar, você precisa ter o seu quarto e eu o meu, mas por enquanto, dormirá comigo, você se importa?!

- Não, prima, não me importo, e fique certa de que, assim que arrumar algum emprego, faço questão de dividir as despesas com você, não vim pra ficar ociosa, tenho os meus objetivos, quero trabalhar, estudar, vencer na vida.

- Eu sei disso, vejo em você, o que eu fui, quando aqui cheguei há dez anos atrás, com muita disposição, determinação, destemor e muita vontade de vencer na vida, e graças a Deus e aos meus esforços eu venci, alcancei o que queria, trabalhei, estudei, fiz o meu curso técnico e tenho hoje o meu emprego garantido como servidora pública municipal, pela aprovação num concurso que fiz há dois anos, mas só após um ano, fui chamada pra trabalhar. Portanto, tenho certeza, querida prima, que você também lutará e vencerá.

Fazendo uma breve pausa no diálogo, as duas jovens se olharam sorridentes e curtiram um carinhoso abraço fortalecido pelos laços afetivos que deveriam as unir dali pra frente. Apesar de serem primas carnais, fisicamente não se pareciam, apenas coincidiam na altura, pois ambas eram baixas. Joana era morena clara, olhos azuis e cabelos louros lisos e compridos. Já Roberta, era morena escura, olhos castanhos e cabelos pretos lisos até a altura dos ombros. Levando Roberta para o quarto, Joana lhe explicou:

- Olhe, prima, faltou lhe dizer que na verdade, o apartamento é um quitinete. Eu prefiro assim, porque sempre morei sozinha, dá menos trabalho pra limpar, além disso, o valor do aluguel é menor. Como você pode ver, é esse quarto com varanda, sala e cozinha conjugada, o baheiro e a área de serviço. Pra quem é solteira como eu e passa o dia todo fora de casa, ele é bem funcional e me satisfaz.

- Também acho. Casa grande é pra quem tá habituado à vida do interior. Quem mora nas grandes cidades geralmente trabalha e não tem tempo de cuidar de casa, portanto, um pequeno apartamento ou um quitinete, principalmente pra quem está solteira, como nós, realmente é bem funcional, porém, isso não quer dizer que não seja aconchegante, e é como eu lhe disse, quando começar a trabalhar vou lhe ajudar nas despezas, e aí, podemos mudar pra um apartamento de dois quartos, e, no futuro, a depender da situação de convivência, quero dizer, você ou eu casando, teremos o próprio lar.

Ao falar de casamento, Roberta não percebeu, mas Joana lhe olhou de um jeito estranho, como se não lhe agradasse a ideia de se casar... E lhe indagou:

- Está em seus planos, prima, de um dia se casar?

-Por que não? Vou primeiro me preparar, trabalhar, fazer algum curso, e quando aparecer alguém interessante nas mesmas condições e querendo a mesma coisa que eu, pretendo me casar sim, gosto muito de família e quero constituir a minha, não tenho jeito pra ficar pegando um aqui, outro ali, acolá, só pelo prazer carnal, quero ter um compromisso sério com alguém que me ame, que nos amemos, que me dê filhos, que formemos uma família unida e feliz pelos laços sagrados do matrimônio.

Olhando-a um tanto decepcionada, Joana contemporizou:

- Mas você ainda está nova, no início de sua fase adulta, vai começar a construir a sua vida, conquistar a sua independência a partir de agora, nesse caso, casamento é uma decisão a ser tomada depois, com calma e nos tempos de hoje, com tantos conflitos conjugais, não é garantia de vida harmoniosa e feliz... Veja eu, por exemplo, estou com trinta anos e não tenho vontade de me casar, nem namorado eu tenho, há alguns anos namorei um rapaz, até que ele era legal, só que, em pouco tempo me desinteressei e desisti dele, era um colega de curso, e assim, venho focando a minha vida no trabalho, em alguns momentos de lazer, e nela, por enquanto, não cabe um projeto de vida a dois, pra ter filhos e uma família tradicional bem constituída.

- Sinto muito lhe dizer, Joana, mas eu penso muito diferente de você. Família pra mim é uma coisa sagrada. É um laço afetivo instituído por Deus. Mesmo com os conflitos existentes, devido as nossas imperfeições, mas é através da família que aprendemos a nos auxiliar, nos amparar, nos consolar e nos amar. A família é o principal grupo afetivo que nos ensina a viver socialmente. É a base social de convivência fraterna, na qual deve predominar o amor como um sentimento sublime, capaz de unir afetivamente os que a integram, com o fim do exercício do bem moral comum.

- Humm... Vejo que você é bem religiosa, hein - falou Joana num tom irônico.

- De uma certa forma, sim. Costumava ir com os meus pais à missa dominical e tenho as Escrituras como livro de cabeceira. Costumo orar, seguir os ensinos bíblicos e aplicá-los em minha vida. Sou uma moça do interior, com hábitos simples e sem vícios mundanos.

- Entendo, Roberta, cada um tem o seu jeito de ser, as suas ideias próprias e o livre-arbítrio deve ser respeitado, contanto que, nas divergências, o diálogo funcione da melhor forma para que possamos viver na harmonia afetiva. Afinal, mesmo sabendo que a família tradicional é composta de pai, mãe e filhos, no entanto, qualquer grupo social que more no mesmo teto é também uma família, como é o nosso caso, assim, enquanto for possível, seremos uma família unida pelo amor, pelo carinho, pela cooperação mútua.

- Sim, Joana, usando o bom senso em nossos atos diários, com amor, respeito e consideração, conciliando os laços de primas e amigas, certamente não teremos dificuldades para vivermos juntas, e caso surjam, resolveremos, pelo diálogo amigável, franco, que fique bom pras duas.

Enquanto elas estavam sentadas na cama de casal, num papo descontraído, conhecendo-se, mas falando de coisas sérias concernente à própria convivência dali pra frente, ouviram um miado fino que lhes pareceu de um filhote de gato. Entreolharam-se espantadas e se levantaram pra saber de onde vinham os miados. Com os olhos e os ouvidos atentos, a princípio, não deram com a presença de nenhum gatinho, contudo, ao ouvirem um novo miado, viram-no tentando sair da sacola de Roberta que se achava num canto da saleta.

Logo caíram na risada e foram acudir o lindo filhote de felino angorá branco, peludo, de olhos azuis, que tentava com alguma dificuldade sair da sacola.

Com ele entre as mãos, Joana olhou pra Roberta e lhe perguntou:

- Prima, você não me disse que tinha trazido um filhote de gato pra criar...

- E não trouxe mesmo. Francamente, eu não sei como este gatinho veio parar em minha sacola... Lá em casa criamos um gato angorá, mas é adulto e capado.

Joana hesitou um instante, em seguida repetiu a pergunta:

- Então, você não o trouxe mesmo, e como ele apareceu em sua sacola?

- Não sei, prima... Ah, já sei o que pode ter ocorrido... Ou ele entrou na sacola no bagageiro do ônibus, ou entrou nela no porta-malas do táxi... É a única explicação que eu posso lhe dar, porque realmente eu não o trouxe de casa... Agora, o que sei, é que ele é muito lindo e fofo, não acha?! E a decisão de criá-lo ou não é sua...

- Não, Roberta, a decisão não é só minha, é sua também... Nós duas vamos decidir se vamos criá-lo ou não.

- Veja bem, Joana, eu gosto de gato, tenho um lá em casa, se o dono aparecer, que pode até ser o taxista, devolvemos a ele, se não aparecer, a gente o cria, o que você acha?

- É... você está certa, concordo em criá-lo, sempre achei o gato um animal bonito, fofo e limpo, mas nunca me interessei em criar um, lá em casa não se criava gato, talvez por isso, faltou-me a vontade de criar uma coisinha fofa dessa, e pelo visto, a oportunidade chegou. Aliás, até algumas horas atrás, eu morava sozinha e na companhia de Deus. Agora, tenho você, o gatinho ou gatinha, vamos ver isso depois, e a presença contínua de Deus em nós e entre nós.

Já tinha escurecido quando Roberta chegou esfuziante, entrou no quarto e se deparou com Joana deitada, recostada no travesseiro, folheando uma revista de moda feminina. Bem alegre, lhe falou:

- Você se lembra, Joana, quando há quinze dias atrás, eu lhe disse que ia fazer um teste de auxiliar administrativa numa clínica médica que fica na parte alta do centro da cidade?

- Sim, me lembro, e então?

- Passei por lá hoje de tarde, pra saber do resultado e fui selecionada, prima, estou muito contente, porque desde que cheguei há três meses como você sabe, venho batalhando pra conseguir um emprego, sei que não estava sendo fácil, mas através de Deus e as minhas orações, finalmente eu consegui. Das seis vagas que faltavam pra completar o quadro, eu fiquei com uma. Amanhã mesmo eu vou fazer os exames, preparar a documentação pra ser admitida de imediato.

- Que boa notícia, prima, você merece, o emprego será o início da realização dos seus sonhos, como é quase meio de ano, você vai trabalhando e com calma pesquisa qual curso técnico tem disponível que possa faze-lo à noite.

- Sim. Vou verificar isso com calma, se tiver Segurança do Trabalho noturno, é esse que eu quero. Se não tiver, faço outro.

Olhando para a gata que tinha subido na cama naquele instante, Joana falou:

- Veja quem chegou pra lhe saudar com o olhar, o miado e a carícia, querendo ser notada e também participar do papo, a nossa querida Kitty...

- Vem cá, meu amor - sussurrou Roberta, aconchegando-a no ventre.

Kitty logo se aninhou, fechou os olhos e ficou ali, curtindo o carinho que estava tão habituada a te-lo (ora de uma ora de outra) de suas donas e cuidadoras. Alisando-lhe a cabeça e o dorso alvos como a neve, Roberta lembrou:

- Quando ela chegou aqui junto comigo, sem eu saber, ainda uma bebê, devia ter poucos dias de nascida, quinze, vinte dias, talvez um mes, contando com os três meses de minha chegada, ela deve está com quase quatro meses, e olha o seu tamanho, quando ainda nem ficou adulta, os gatos crescem rápido e temos que ficar de olho, porque, com mais quatro, cinco meses, no início da fase adulta, ela entra no cio, e se aparecer algum gato por aqui, já sabe, né, Joana, vai cortejá-la e engravidá-la...

- Já pensei nisso, mas acho difícil, prima, porque aqui ela não tem como sair, a não ser ficar na área de serviço e na varanda... Nem sei se os vizinhos criam gatos, de dia eles dormem muito e de noite ficam espertos, gostam de sair pra interagir com outros gatos, só que aqui não tem como sair, nem pela área de serviço coberta, nem pela varanda gradeada, em todo caso, temos que ficar de olho, nunca se sabe, senão a família de felinos pode aumentar.

Após a janta elas foram pra varanda. Ainda era cedo pra dormir. O outono findava e o vento frio do inverno já se fazia presente. Sentiram frio. Entraram, se agasalharam e depois voltaram. Agora sentadas, cada uma em cadeiras acolchoadas que trouxeram da saleta, as quais compunham a pequena mesa, sorriram pra Kitty que também chegava pra unir-se a elas, que logo se acomodou sobre uma almofada que foi colocada num canto só pra ela. E ficaram ali por alguns instantes, curtindo o animal de estimação numa contemplação abstraída.

Contudo, sem que Roberta percebesse, Joana tinha desviado o olhar pra ela. Olhava-a de um jeito meigo, amoroso, como se quisesse te-la nos braços, como se tivesse sentindo muita vontade de enlaçá-la, de beijá-la, de lhe dizer o quanto a estava amando, que sentia muita paixão, muito amor por ela. Um sentimento lindo que foi crescendo aos poucos em seu íntimo, e que ultrapassou os limites afetivos de sua condição de prima, de amiga. Mas como lhe falar sobre isso sem lhe magoar, sem lhe ferir o brio?

Tão fascinada, continuava olhando para a prima, que se divertia, ora olhando ora alisando a cabeça de Kitty, que também lhe devolvia o mimo, virando um pouco a cabeça pra lamber-lhe a mão carinhosa. Na verdade, Joana não tinha coragem de se declarar, temia ofende-la, ainda mais sabendo dos seus projetos futuros de matrimônio, não com uma mulher, mas sim com um homem. Mesmo assim, arriscou uma pergunta:

- Roberta, você já namorou?

Como se saísse de um transe, ela virou-se bruscamente, olhando para Joana de um jeito sério, surpresa com tal pergunta:

- Bem, prima, eu só tive paquera, papo amistoso com amigo, colega de escola... Agora, namorar mesmo, ter um compromisso sério com alguém, não.

- Quer dizer que você...

- Sim, Joana, não tenho vergonha de lhe dizer, eu ainda sou virgem, e quando chegar o momento de perder a minha virgindade, será com alguém especial, com alguém que tenhamos um projeto de vida juntos. Você pode até achar que eu sou careta, mas é o meu jeito de ser, cada um tem o seu jeito próprio, eu sei que muitas jovens de minha idade não são mais virgens, dão logo o que tem que dar, e curtem o ficar, o pegar, o sentir prazer carnal com muitos parceiros, não tenho nada contra, pois é o livre-arbítrio delas, mas eu não sou assim, gosto de esperar, aguardar o momento adequado, valorizar os sentimentos, para depois, pensar numa relação afetiva sólida, harmoniosa e fiel, que combine satisfação espiritual com prazer carnal.

Mesmo desapontada Joana continuou.

- Já eu, prima, embora não seja promíscua, perdi a minha virgindade com o colega de escola que lhe falei, namoramos pouco tempo, ele gostava mais de mim do que eu dele, fez de tudo pra continuar o namoro, mas não sei o que me ocorreu, não foi legal a primeira vez, além de ser doloroso não sentir nenhum prazer, a partir daí, toda vez que ele me queria eu dava um jeito de escapar, e por fim, terminamos o namoro, o tempo foi passando e não me envolvi com mais ninguém, francamente, prima, não sei o que me ocorre, parece que não gosto de homem...

Joana não teve coragem de completar o que pensava e Roberta olhou-a desconfiada...

- Sabe, prima, têm pessoas que são mais afoitas, apressadas, já outras, são mais tranquilas, esperançosas, no meu caso, prefiro aguardar o tempo adequado, enquanto isso, vou cuidando de outras coisas, como trabalho, estudo, estou muito nova pra me precipitar, quero que as coisas ocorram de modo espontâneo e ao mesmo tempo cauteloso, mas falando sobre você, pode ser que, se com um não deu certo, com outro pode dar, essas coisas são assim mesmo, mas não desanime, você já fez o seu curso, tem o seu emprego, o que lhe falta é ter alguém em sua vida, seja casando ou morando junto que dá no mesmo, não gosto que fique assim, deprimida, você tem a mim, tem a Kitty, e lembre-se que formamos também uma família.

Roberta não quis se abrir, dizer à prima o quanto a amava, dizer que foi pela convivência com ela que descobriu a sua preferência sexual, se lhe dissesse a verdade certamente se constrangeria, não seria mais a mesma com ela, a relação ficaria estremecida, talvez nem quisesse mais dormir juntas, compraria um colchão de solteiro e dormiria no piso sobre ele, e talvez até, quisesse ir embora, agora trabalhando, poderia alugar um quitinete, não, ela não podia lhe dizer o que sentia, se não podia tocá-la, abraçá-la, beijá-la, preferia abafar dentro de si os seus sentimentos amando-a em silêncio, só não sabia quanto tempo suportaria aquela situação incômoda. Conversaram bastante e nem perceberam o tempo passar, a noite ficou mais fria e já era quase meia-noite quando se recolheram pra dormir.

Ostentando a beleza dos pelos brancos abundantes, contrastando com os olhos azuis penetrantes, agora adulta, Kitty era o símbolo de alegria e harmonia daquele lar, onde moravam duas jovens atraentes e unidas por laços parentescos de amizade. Durante a semana passavam todo o dia fora e só chegavam à boca da noite. Só no fim de semana é que tinham o dia livre pra ficarem em casa, ou curtir algum lazer. A porta se abriu e Kitty correu ao encontro delas, saudando-as com repetidos miados de alegria. Agia assim, toda vez que as suas donas chegavam.

Ambas se sentaram no sofá de dois lugares e revezaram Kitty no colo, envolvendo-a com paparicos. Ela gostava tanto daqueles carinhos que sequer se contorcia, apenas se deixava levar de um colo a outro, pulando em seguida para ir atrás delas quando se levantaram. Joana retirou algumas compras dos sacos e foi guardá-las no armário e Roberta entrou no quarto. Joana lhe sugeriu que tomasse logo o seu banho, que depois tomaria o dela. Após guardar as compras, Joana lavou pouca coisa suja na pia, colocou ração no prato de Kitty, que já miava junto dela com fome, quando viu Roberta sair do banheiro enrolada na tolha.

Teve o ímpeto de segui-la pra ve-la nua trocando de roupa mas desistiu, talvez não resistisse, vindo a revelar a louca paixão, o louco amor que sentia por ela, diante daquele corpo sedutor cor de chocolate. Vendo que a prima estava vestida, entrou no quarto, despiu-se, enrolou-se na toalha e foi tomar o seu banho. Não quiseram jantar, combinaram então em sair pra comerem uma pizza.

Alguns meses se passaram, e Roberta descobriu que a sua vizinha que morava no primeiro andar era louca por gato, e criava um macho angorá preto. Pelos miados estranhos, perceberam que Kitty estava no cio. Depois de falarem com a vizinha, esta concordou que Gugu fizesse visitas à Kitty, afinal, ambos eram virgens, para que pudessem namorar e acasalar. Após dois meses, Kitty pariu três lindos gatinhos. Melhor dizendo: um gatinho e duas gatinhas. O macho era preto e as fêmeas, uma branca e a outra, branca com manchas pretas. Ficou decidido que o macho preto ficaria com elas, a fêmea branca com a vizinha, quanto à outra, dariam a uma vizinha do segundo andar. Roberta explicou para Joana, sem lhe notar a tristeza no semblante, que se algum dia se separassem, levaria Kid (este foi o nome que pôs no filhote) com ela. Depois da primeira barriga, Kitty passou a tomar remédio pra não mais engravidar.

Decorridos três anos, nada parecia abalar a rotina harmoniosa que havia entre as duas primas. Joana continuava sem declarar o seu amor sofrendo calada, aparentando um bem-estar que não existia em seu íntimo. Roberta não fez o curso que queria, pois só podia faze-lo de dia, mas estava prestes a concluir o curso Técnico de Análises Clínicas, o qual se interessou pra fazer à noite, até porque, concluindo-o, podia ser promovida no próprio emprego. Ao chegar em casa naquele início de noite, foi recebida pelo casal de gatos que sempre corriam à porta soltando miados efusivos. Fez um breve carinho nos dois felinos, e logo entrou no quarto. Tão contente, viu Joana deitada e lhe revelou:

- Joana, minha querida prima, concluí o curso, você está diante de uma nova Técnica de Análises Clínicas. E sabe o que vai me ocorrer, já conversei com os diretores da clínica e eles vão me promover, assim não preciso sair do emprego, não é maravilhoso?!

- Que ótimo, prima, você merece, fico feliz por você está realizando os seus sonhos, os seus objetivos de vida. Olhando pra você, tão alegre, tão cheia de vida, me vejo em você quando aqui cheguei, só que, estamos juntas, unidas e eu tenho medo de a qualquer dia você ir embora daqui...

- O que se passa com você, Joana, nós já conversamos sobre isso, mas tenho notado que você anda desolada, de uma certa forma está arredia, distante de nossa realidade, sinto que você esconde algo e teme me dizer, pode se abrir comigo, somos primas e amigas...

Joana olhou-a e não se conteve, começou a chorar, as lágrimas lhe fluíam incessantes dos lindos olhos azuis, Roberta correu para abraçá-la, aninhou-a em seus braços, envolveu-a de carinhos e beijos tentando a consolar, mas insistia em saber o que se passava com ela...

- Diga-me, prima, se abra comigo, você está doente, o que lhe ocorre?

- Não, não estou doente, quero dizer, nem sei, talvez esteja, você não entende...

- O quê não entendo, vamos, desabafe de uma vez, o que lhe aflige, assim você se sentirá melhor, seja o que for, estou aqui pra lhe apoiar e resolveremos juntas as dificuldades, você está me deixando muito preocupada...

- Joana se desprendeu daquele colo que tanto estava gostando de ficar, ergueu-se e ali mesmo sentada na cama, com os olhos azuis vermelhos por tantas lágrimas derramadas, finalmente se declarou:

- Roberta, minha querida e amada prima, eu não aguento mais, este sentimento está me sufocando, eu, eu... eu estou loucamente apaixonada por você, eu te amo, prima, desde que você chegou e começamos a conviver, não tinha coragem de lhe dizer, temendo que você não entendesse e fosse embora, mas agora, não sei o que vai ocorrer entre nós, só sei que me sinto melhor, tirei um peso do meu coração, o que você me diz, sei que ficou surpresa com a minha revelação...

Roberta ficou pensativa por alguns breves instantes, em seguida lhe respondeu:

- Olhe, Joana, somos primas e amigas, pelos nossos papos, eu deduzi, tinha quase certeza que você preferia gostar de mulher do que de homem, mas como você não se abria eu também não quis lhe falar acerca disso, do seu lado homossexual, só não imaginava que você fosse preferi justo a mim que sou sua prima, também não é pelo fato de sermos parentes, ou que as nossas famílias não compreendessem, caso rolasse entre nós, mas quero que saiba, que se eu tivesse pendor pra namorar, ter caso, ou casar com alguém do mesmo sexo, pela experiência de convivência com você, não teria outra pessoa melhor pra ser a minha companheira, só que, eu não me vejo me interessando por mulher, não tenho inclinação pra ser homossexual, e aproveitando que você desabafou, expondo os seus sentimentos, vou lhe ser franca, lhe falando também dos meus, eu tenho a lhe dizer que, um colega de trabalho está se interessando por mim, estamos paquerando e eu estou gostando dele, trata-se de um homem honesto, amável, de bons princípios morais, portanto, pelas nossas conversas pretendemos construir um futuro juntos, e ele exerce a mesma profissão que você lá na clínica, como Técnico de Enfermagem.

Um tanto mais calma, Joana, após ouvir o que Roberta tinha a lhe dizer, apenas replicou já conformada:

- Eu sabia, prima, que a esperança de você corresponder ao meu amor, era bem remota. Está doendo muito em mim esta decepção, mas no fundo eu sabia que você jamais seria minha como mulher. Você sempre foi franca me falando acerca de sua preferência sexual. Alimentei esta ilusão o quanto pude, só pra nos mantermos juntas. Só o tempo é que vai me curar dessa ferida sentimental. Pelo menos, através de você, descobri que gosto de mulher.

Seis meses após, numa manhã ensolarada, no início do verão, Roberta se despedia de Joana, levando a sua bagagem pessoal e Kid, para viver uma nova experiência de vida com Carlos, unidos pelo compromisso matrimonial de união estável.

Escritor Adilson Fontoura

Adilson Fontoura
Enviado por Adilson Fontoura em 17/02/2018
Reeditado em 10/10/2021
Código do texto: T6256624
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