Uma revolução tranquila
Reunida na quadra de ensaios no alto do morro, a diretoria da escola de samba Unidos da Leopoldina foi surpreendida pelo anúncio feito pelo presidente da agremiação, Sinval da Conceição:
- O tema do nosso carnaval deste ano vai ser revolução!
- Tema polêmico de novo, presidente? - Perguntou preocupado Agenor Correia, decano da ala dos compositores.
- De novo como, Agenor? - Exasperou-se o mandatário. - Ano passado, falamos sobre Hello Kitty!
- E fomos criticados pela assessoria do prefeito evangélico, que disse que Hello Kitty não tinha boca porque era a representação de um pacto com o diabo.
- Ah, eu lembro disso - retrucou Sinval da Conceição, contrafeito. - Mas acabamos desfazendo esse, digamos, mal-entendido. A proposta feita pelo nosso carnavalesco me pareceu brilhante justamente porque parece ser polêmica - sem ser.
- Revolução sempre é um assunto polêmico. Principalmente para quem é derrubado - comentou o diretor de bateria, Luís Gouveia.
- Mas não nesta revolução! - Exclamou o presidente, dedo em riste. - Foi uma revolução em que não houve derramamento de sangue e todos terminaram melhor do que estavam antes... mesmo quem perdeu o poder!
Os diretores encararam o presidente com ar cético, para dizer o mínimo.
- Não estamos falando da Revolução de 1964, estamos? - Indagou cautelosamente Luís Gouveia.
- Não, essa não - atalhou Sinval da Conceição. - Tema sensível. Vamos falar de uma revolução que pode ainda render bons figurinos... nada de verde-oliva. Vermelho!
- Vermelho?! - Exclamaram os diretores em uníssono.
- Sim, vermelho! - Prosseguiu o presidente. - A cor dos uniformes do Exército Britânico. Vamos falar da Revolução Gloriosa, meu povo! Revolução, literalmente, pra inglês ver!
A diretoria acabou concluindo que o tema era muito menos polêmico do que a gatinha Hello Kitty. Aliás, era mesmo uma gatinha?
- [12-02-2018]