BREVIÁRIO ESQUECIDO

O BREVIÁRIO ESQUECIDO

Fui zelador de igreja por mais de quarenta anos, acompanhei vários vigários em suas paróquias. Todos deixaram suas lembranças boas e más nos caminhos sacerdotais. Dentre eles, o que mais me impressionou foi o padre Manoel Ferreira da Silva, vigário da paróquia da igreja da Palma. Deixou manuscrito um pequeno Diário, mais parecia ao ler um Breviário.

Tinha um grande amor à vida e um infinito medo da morte. Dizia sempre: “Se ficasse inválido, paralítico, cego, surdo, mudo, assim, com todas essas horríveis mutilações, queria e amava a vida”. Seus anseios, seus temores, sua fé inabalável, seu amor para com tudo e todos que pertença a Mãe-Natureza. Suas frustrações com as opiniões de certos homens e a triste desigualdade social dos países subdesenvolvidos eram como uma chaga no seu corpo, já debilitado pelos anos.

Morreu com idade bastante avançada, tinha uma grande erudição. Como um velhinho, seu corpo dobrou pelo peso dos anos, olhando a terra aonde irá em breve dormir para sempre, dia a dia o corpo mais dobrava e diminuindo de altura, descendo para a terra. É o processo de degeneração do ser humano. Era celibatário convicto.

O pequeno Diário foi encontrado por acaso, dentro de um gavetão na sacristia da igreja. Esquecido e amarelado pelo tempo, não completo, contendo várias páginas em branco para serem preenchidas naturalmente. Releio sempre esse Diário como fórmula de refrigério para a minha mente cansada dos labores do dia. Transcrevo sua filosofia e seu modo de ver o mundo:

 Todos devem ter o direito a um quinhão de felicidade na existência. A fartura e a felicidade deixarão de ser um privilégio de reduzido grupo de homens para serem um bem universal.

 Trata os seus semelhantes como seres humanos que são. Respeita, pois, a sua dignidade em todos os momentos.

 Sê bom e generoso sem ostentação, mas não espere que os outros o sejam contigo.

 Quem se compraz mais em dar do que em receber, mais facilmente é feliz porque sua alegria independe dos outros.

 Defende o direito alheio como se fosse o seu direito.

 Não te julgues superior ao comum dos homens, mas também não te julgues inferior, sê o que realmente és.

 Não queiras demasiado. Contenta-te com o que tens e luta honestamente pela melhoria da tua situação, mas sem prejuízo de outrem.

 Procure apreciar as qualidades dos outros, antes de lhes notares os defeitos.

 Não faças da riqueza um fim, mas um meio de aumentar tua capacidade de espargir o bem.

 Lembra-se de que o amor e a bondade constroem e para sempre, o que o ódio e a maldade jamais fariam.

 A sabedoria consiste em bem aplicares o teu conhecimento e a tua experiência em favor da tua felicidade e da felicidade alheia, sem que jamais aquela prejudique esta.

 Os amigos não são os comensais de nossas festas, mas os que se fazem presentes em nossos momentos difíceis. Ampara, pois, os amigos que precisam de ti.

 Não basta seres honesto. Urge também parecer honesto, já que a sociedade te julga e te pode aureolar ou condenar, e é óbvio que tua felicidade depende também desse julgamento.

 Não creias demais no que te dizem, mas também não descreias.

 Se for verdade que o futuro a Deus pertence, não é menos certo que acordamos sempre com o que construímos até a véspera.

 Não contes a outrem as suas mágoas. Os amigos sofreriam contigo; outros seriam indiferentes; só teus inimigos se alegrariam.

 Por mais que faças, não penses em ter somente amigos. Alguns não te compreenderão.

 Não esperes demasiado dos outros; mas, também, não descreias de todos.

 Duas sentinelas guardam o caminho da felicidade: a compreensão e a tolerância. Procura cultivá-las.

 Nunca apregoes a tua felicidade; aproveita-a calado, para que não magoes os infelizes.

 Respeite as opiniões alheias; não tentes impor as tuas.

 Vive o presente, em termos morais. Há beleza em teu redor, mas elas dependem de ti. A monotonia nunca vem de fora.

 Peça a Deus três coisas, como o filósofo não identificado: – Força pra mudares aquilo que podes mudar; – Inteligência para distinguires uma situação a outra; – Resignação para aceitares o que não podes mudar.

 Nunca te esqueças dos deveres éticos de justiça e de caridade. Não faças a outrem o que não desejarias que te fizessem. Fazem a outrem o que desejarias que te fizessem.

 Não se regozije com o mal que lhe possa suceder. Nós não sabemos o que o dia de amanhã nos reserva.

 Aceitar as próprias limitações, conhecer os defeitos e procurar corrigi-los, admitir os erros e tenta consertá-los, tudo isto faz parte da regra do bom viver.



Muita alegria é perdida, porque as pessoas vivem só lastimando o passado e preocupando-se com o futuro.

 Seja autêntico, seja você mesmo. Jamais finja amizade.

 A vida é um manancial sublime. É e sempre será, mesmo quando o homem não souber mais amar.

Foram essas e outras frases que contém no manuscrito que o padre Manoel Ferreira da Silva deixou provérbio. Para que outros como nós pudéssemos ler e meditar suas palavras filosóficas e cheias de harmonias. Ele foi um dos pescadores de almas, como pediu Jesus Cristo a seus discípulos.

No entanto, convivi com alguns padres que não mereciam vestir o hábito eclesiástico. Tinham outros hábitos escondidos no seu interior; quebra de celibato, avareza, homossexualismo, pedofilia, gatunagem, etc. Enfim, desvio de condutas diversas. Longe, muito longe de suas palavras santas. São uns verdadeiros enganadores do Evangelho. Que Deus tenha piedade de suas almas.

Igual ao padre Manoel Ferreira da Silva, houve e haverá poucos em nossa História, são esses gloriosos evangelizadores que fazem perpetuar a Igreja Católica.

Paradoxo do ser humano: Uns amam a vida pelo prazer de viver. Outros desprezam a vida por não querer viver.

OBS: A narrativa acima foi do Zelador da Igreja de Santo Antonio da Mouraria, Sr. José.

BATACOTO

Salvador, 13/06/2005

batacoto
Enviado por batacoto em 12/02/2018
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