Coisas simples que me encantam

Pães com manteiga são coisas que me encantam. Eu sinto que o pão nosso de cada dia, Deus dá. Já a manteiga é toda por nossa conta. Buscar a manteiga que passamos na fatia do pão de cada dia, dizem ser um atributo da vida adulta, é “recuperar aquela energia que parecia se auto-sustentar pela força das descobertas”, parafraseando as palavras sábias de uma “menina cuja alma também adivinhava as cores do dia lá fora”. Ainda que certo ignóbil norte-americano tenha disseminado a péssima idéia do pão com a manteiga caindo da mão para o chão sempre com a face engraxada para baixo, vale mais pensar no simples ato de recuperar algo perdido e torná-lo novamente aceito. Isso é o treinamento na lógica do perdão, tão útil. Mesmo que tenham vezes que a manteiga é pouca ou fica derretida de tal jeito que passar no pão fica difícil. Para estes casos, que tal colocar numa frigideira e fazer um pão na chapa? Em outras situações a manteiga pode ficar rançosa, com um amargor associado ao envelhecimento, uma bile negra de contaminar até a tristeza. É importante relembrar nessas horas que passar a única manteiga que temos no pão é uma passagem deliciosa de vida, um daqueles deleites do tipo “é preciso conhecer a dor para apreciar o amor”, afinal, tem algum sanduíche mais gostoso que pão com manteiga?

Aquele café quente, com seu aroma, também me encanta. Eu acredito que o café chegou da Etiópia para o ocidente, seguindo os passos da humanidade que também nasceu na África (será que foi lá o dito jardim do Éden?). O elixir da vida é líquido e causa vício. O presente das Arábias hoje é grife, um símbolo de vaidade e de ostentação nos cafés do mundo afora. Quer sentir glamour, então vá à paulistana rua Oscar Freire, sábado à tarde e tome café nas mesinhas da Starbuck. Foi olhando cenas como esta, que o picardista Millôr Fernandes escreveu: “Se disserem que o crime não compensa você tem que lembrar que é porque quando compensa, não é crime”. Assim acontece com os amantes do ritual do café.

As tardes silenciosas de Lindóia, mesmo nas chuvas vespertinas, são as mais encantadoras. Remetem-me aos tempos de menino no convívio com a família unida, com o pão quente saído do forno para embaçar os vidros da Kombi de entregas. Lembram-me o futebol de rua na chuva com a molecada mais nova, privilégio de quem é ruim de bola. Foram tardes de sábado, com retretas na praça, nas quais nós afinávamos a nossa vida interior na harmonia de músicas perfeitas. Hoje percebo as sutilezas que me encantam tanto e sinto uma vontade de remoçar.

Junte agora o pão com manteiga, um café quentinho, numa tarde de chuva ou musical, ao lado de, como canta Lenine, “alguém que você gostaria que estivesse sempre com você”. Tem encanto maior neste mundo?