CANTADA DE CARNAVAL (reeditado)
Domingo de carnaval, área em torno do sambódromo no Rio de Janeiro.
Sob uma marquise de um prédio próximo, várias mulheres de uma ala de baianas de uma grande escola de samba vestiam suas fantasias preparando-se para o desfile.
Ali num canto mais escuro, quase despercebido, também estava Zeca. Deitado como um mendigo, bêbado e encolhido tentando dormir e esquecer o que lhe acontecera na noite anterior.
Voltara mais cedo para casa do que fazia habitualmente nos sábados de carnaval, quando costumava se esbaldar naquele famoso cordão que desfila pelo centro da cidade e deixara em casa Luisa, a mulher, atarefada a cuidar dos filhos e do lar sem sequer poder pensar na folia.
Ele, porém com a desculpa de necessitar trabalhar a pedido do patrão. Saíra a todo vapor e com sua cervejinha gelada à mão entrara eufórico e cheio de más intenções no meio do cordão, o qual, para quem o conhece acontece de tudo em seu interior em matéria de orgia.
E lá ia ele dizendo piadinhas para as mulheres, ora apalpando uma, ora beijando outra. Esfregando-se na da frente. Passando a mão na do lado sendo permitido ou rejeitado. Ele só queria saber do prazer.
Foi quando passou por ele uma daquelas mulatas que só o Brasil fabrica, e ele no auge da euforia mandou a cantada ao seu ouvido:
- Céus! Minha nega, por você eu faria tudo. Largava minha família e até deixava você fazer xixi na minha cara, gostooosa!
Ao que ela replicou:
- Sai fora tarado, na minha casa tem latrina – e seguiu rebolando e gargalhando.
Assim, continuou curtindo alegre seu carnaval durante o resto do dia, mesmo depois do bloco haver parado. As ruas estavam cheias e sobrava mulher para todo lado buscando encontrar um par, mas não era seu dia de sorte e ele permaneceu sozinho.
Quase meia noite, quando uma chuva forte desabou , literalmente uma ducha de água fria sobre a multidão, que aos poucos foi se dispersando procurando abrigo.
Zeca, cansado, ainda meio bêbado. Resolveu voltar para seu barraco de dois cômodos no morro. Subiu trôpego, pensando em uma desculpa para dar a mulher.
O casebre tinha duas portas uma na cozinha conjugada com a sala onde os filhos dormiam e outra no quarto onde ele e a esposa dividiam o leito com alguma privacidade e que facilitava a ida ao banheiro localizado fora da casa. Essa foi a porta escolhida por ele, até para não acordar as crianças.
De mansinho abriu, empurrou-a. E SURPRESA! Lá estava Luisa deitada sob o corpo nu de perigoso bandido da favela aos beijos fazendo seu próprio carnaval.
Zeca ficou estático, congelado de ódio e medo do sujeito e da arma que ele mantinha sobre a mesinha de cabeceira bem ao alcance das mãos.
Ele havia tomado todas durante o dia, mas o golpe o deixara sóbrio. Era mulherengo sim, mas trabalhador e responsável. Nunca deixara faltar nada em casa dentro dos seus limites simples. Amava Luisa, que tinha como exemplo de mulher fiel e boa amante, que ele sabia agora não ser só para ele.
A mulher e o bandido se amavam com tanta sofreguidão que nem se deram conta de sua presença. Ele fechou silenciosamente a porta e desceu o morro arrasado.
Passou o resto da noite, a madrugada e o domingo perambulando pelos bares bebendo e tentando esquecer, sem coragem de voltar ao barraco. Não poderia mais olhar para o rosto de Luisa e decidiu que não mais voltaria para casa abandonando a família. O mundo desabara sobre si.
À noite, sem saber para onde ir e vencido pelo cansaço deitou-se sob aquela marquise onde as baianas se trocavam e quando ia começar a dormir. De repente uma delas, por coincidência aquela mesma mulata que ele assediara no cordão e que era uma das integrantes da ala. Sentindo vontade de urinar e já vestindo sua grande saia rodada abaixou-se no canto mais escuro onde Zeca se deitara, sem vê-lo, já que a enorme roda de sua saia não permitia cobriu-o e soltou sua morna urina na cara do pobre.
Os anjos haviam dito Amém e atendido, plenamente seu pedido atirado aos céus no dia anterior.