MULHER TRABALHADEIRA

Maria nasceu em 1921, numa fazenda de café em Ribeirão Bonito –SP, filha de uma numerosa  família de imigrantes italianos.
    
Frequentou a escola da fazenda onde morava até o terceiro ano primário. Seu pai provavelmente pensou: “para uma mulher está bom, pois sabe ler, escrever um pouco e fazer umas continhas...Então para que perder tempo na escola, se pode ajudar a mãe nos inúmeros trabalhos domésticos?”

      
Dona Catarina, sua mãe, acordava bem cedo, por volta das quatro horas da madrugada, para preparar o almoço do marido e dos cinco filhos: dois rapazes e três moças que trabalhavam na lavoura de café. Depois deveria cuidar da menina Maria e do filho caçula de quatro anos, limpar a casa, lavar e remendar roupas, tratar as criações, regar a horta e outros pequenos afazeres. Era trabalho para o dia todo! Por isso a ajuda da filha seria muito bem-vinda! Desta forma, em 1931, Maria, com apenas dez anos, começou sua luta diária com os trabalhos domésticos que só se encerraria em 1991, com sua morte repentina.

      
Dona Catarina acordava, levantava-se, acendia uma lamparina de querosene, ia até a cozinha acender o fogo para fazer o café e o almoço. Pegava a lenha que ficava embaixo do fogão, colocava os paus no local, entre eles uns gravetos, palha de milho e punha fogo. Então abanava com uma tampa de panela, atiçando o fogo até que acendesse por completo.

       
Luiz seu esposo, levantava lá pelas cinco horas, acordava os filhos para se prepararem para o trabalho na roça.

       
Era uma grande casa de madeira com sala, um quarto para o casal, um para os rapazes, um para as moças, cozinha grande, uma pequena despensa e o banheiro era uma casinha no quintal.

     
Seu Luiz, um italiano enérgico, sistemático não gostava de repetir uma ordem. Chegava à porta do quarto dos filhos e dizia somente uma vez:

 -- Vamo  acordá que tá na hora, vamo.  
     
Aproximadamente às seis horas, ainda escuro, todos saiam para o trabalho na roça. Dona Catarina ia ao quarto das meninas, colocava a lamparina numa mesinha que ficava num canto perto da porta e chamava Maria:

 -- Vamo, Maria, acorda que tá na hora.
         
Maria se revirava na cama de ferro com coxão de palha de milho e só resmungava.

- Maria já é hora, cê precisa mi ajudá, cê já tá moça.
      
Maria, naquele quarto, na semiescuridão, olhava a lamparina na mesinha cuja chama oscilava com uma brisa que entrava pelas frestas da parede de tábua. Coçava os olhos, olhava para a mãe e reclamava...

 -- Ah, mãe, tô cum sono.
 -- Vamo, Maria, tem que i buscá água na bica.
       
Maria levantava resmungando, ia até a cozinha, colocava sobre um banquinho de madeira de três pés uma baciazinha esmaltada. Com um canecão feito de lata de óleo, enchia-a com a água do barril e lavava o rosto. Tomava uma caneca de leite, comia uma fatia de pão caseiro ou de polenta frita na chapa do fogão. E com uma lata, dava várias viagens até encher o barril de madeira que ficava na cozinha ao lado do fogão.

-- Maria, vai tratá as galinha, joga minho no terrero, depois vem cuidá do minino que eu vô na bica lavá ropa.
 -- Já barreu a casa Maria? Anda logo, minina, qui tem que regar a horta.
Assim Maria cresceu com a labuta diária.
       
Quando se casou, morava em outra fazenda de café no município de Presidente Alves –SP,  não foi diferente de sua mãe: levantar às quatro horas da madrugada, com a lamparina na mão, acender o fogão à lenha, preparar o almoço para o marido, cuidar das crianças, arrumá-los para ir à escola, lavar roupa no poço do quintal, batê-la numa prancha de madeira...

   
Toda semana, Maria fazia pão no forno de barro, torrava café. Quando matava porco fazia sabão com a barrigada.

     
Os filhos cresceram, o trabalho aumentou. Três homens trabalhavam na roça, a roupa encardia. Às vezes, era preciso fervê-la com anil em uma lata para conseguir limpar. Tinha uma menina que ajudava no que podia, mas só a tarde, pois, de manhã, diferente de Maria, ela ia estudar.

     
Um dia, Maria, com mais de sessenta anos, mudou para a cidade. O trabalho continuou mas era outra coisa: água na torneira, fogão a gás, geladeira... Um verdadeiro luxo!

     
A vida ficou mais leve! Já não precisava levantar tão cedo para fazer o almoço...Dava até para assistir um pouco de televisão durante o dia e, à noite, as novelas na TV em preto e branco. Mas ela nunca deixou de trabalhar...

     
Naquele dia, ela varreu a casa, arrumou os quartos... Por volta das nove horas estava com as panelas no fogo e preparava o almoço, quando, de repente, Maria sentiu uma tontura e caiu na cozinha.

 -- Maria, Maria o que foi? Por que caiu?

Mas ela não respondeu...Chamaram a ambulância, foi levada ao hospital, mas ela só dormia, não respondia nada. Até o outro dia, em uma manhã de verão ensolarada, Maria finalmente descansou, partiu para eternidade e deixou um enorme vazio na vida daqueles que a amavam.

Texto inspirado na história de vida da minha mãe.
Maria Padoan Stabile
João Batista Stabile
Enviado por João Batista Stabile em 10/02/2018
Reeditado em 26/11/2020
Código do texto: T6250344
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