Vinho

Vinho.

“Que toda decepção venha acompanhada de um bom vinho. Sempre”.

Lady Malibe.

Sim. O vinho podia ser diáfano. Reconfortante, espiritual, excitante, reconciliador. Amargo. Sim, ela precisava de algo que tirasse seus pés do chão. Sentia-se tão cansada, decepcionada e energicamente exaurida, precisava que um trago de vinho o mais seco possível a trouxesse de volta a razão ou ainda a falta dela. O momento não era bom. Por isso pedia um trago forte e uma dose excessiva de desleixo e desapego. A luz dos fatos ela nãoo podia mais fingir não ser serio, era preciso tomar providência e ser mais cauta, esperta e atenta ao que os sinais tão fortemente tentavam alertá-la. Confiar não era apenas um motivo de apego ou amor. Era mais que isso, era entregar-se ao ato divino da confiabilidade. Tudo poderia ser tão simples e fácil se ela assim o permitisse, seus atos e conceitos parcos por nada lhe conferiam um caráter de mártir, mesmo indolente e fraca. O vinho lhe tomava já os sentidos. Sentia suas forças cada vez mais sendo sugadas pelo quinhão do álcool. Era fácil tornar o cálice e sorver o néctar do vinho sem culpa, cuidado ou suspeitas. O amor como sempre seria o culpado. Mascarado em carência, tudo assim poderia ser desculpado e perdoado. Balelas! Desculpas, acordos, nada poderiam justificar as razões pelas quais o amor pode ser traído. Uma pergunta não parava de sondar seus sentidos: a razão, o porquê do descaso e como o sentimento pode ser cortado e retalhado a bel prazer. O amor depende da confiança, mas poderia o amor perdoar a desconfiança? Essa era uma realidade que volta e meia a testava, e confirmava seu caráter frágil, conciliável e perdoativo. Perdoar seria fraqueza ou fortaleza? Quantas e tantas vezes um coração deveria ser traído e machucado para cair em si e finalmente dizer não, já basta. E quando sabemos que já basta? O coração avisa? O cérebro avisa? A alma te sinaliza? O coração sempre tinha que ser bravo, forte, limpo, corajoso e leal... Não é atoa que o coração é o único órgão do corpo que não pode ser tomado pelo câncer. Lealdade é um sentimento e comportamento nobre que a alma cultiva, mas que a maioria dos corações não respeita. Alma e coração, dois pedacinhos de uma coisa só, a vida e tudo que com ela vem a galope. O vinho. O vinho poderia ser infernalmente diáfano, especulativo e cruel. Ela não desejava largar-se a tarefa de abandonar-se. Suas decepções não valiam isso. Seus pensamentos corriam como um carro de corrida vazio, guiado por um espectro que lhe conferia um caráter volátil e distinto. O mais correto seria reapoderar-se de seus sentimentos mais nobres e valiosos, que no momento desciam sem controle a ladeira de seu destino. O pior de tudo era ter a certeza que poderia amá-lo, apesar de tudo. Esperar era o mais indicado e aconselhado, avaliar friamente suas prerrogativas mais que necessário, só assim poderia lançar-se a mão do destino novamente livre, e voltar ao diáfano vinho. Sempre.

Lady Malibe

04.02.2018