Gel

Nick tinha uma irmã, Inga, descobri na sexta-feira à noite. Ela era meio gorducha e talvez cinco anos mais velha do que eu; não exatamente bonita, mas com um bom par de peitos delineados por um suéter justo e pernas grossas sob uma saia plissada. Não tínhamos telefone e ela resolvera aparecer sem avisar... com uma mala. Só iria embora para Hamburgo no dia seguinte. Nick ia passar a noite com a namorada, informei. Será que ela podia ficar por ali aquela noite, indagou. Dormir no sofá da sala, talvez...

Sim, claro que pode, Inga. E que tal uma cerveja? Sentamo-nos na cozinha da quitinete para beber. O álcool destravou a minha língua. Comecei a contar-lhe minha vida dura de rapaz trabalhador... bem, atualmente desempregado. Ela pareceu interessar-se quando falei da minha infância em Berlim Ocidental.

- Eu era um garoto bem esquisito...

Inga me olhou torto.

- Você ainda me parece esquisito. Que idade tem?

- Dezenove.

Ela tomou um gole da lata de cerveja que tinha na mão e deu de ombros.

- Que tipo de esquisitices fazia? Invocava demônios com pentagramas?

Disse aquilo com tanta tranquilidade que me perguntei se deveria me sentir ofendido.

- Bem... não exatamente isso. Eu falava com as plantas... isso me fazia bem. Sempre fui muito solitário, como pode imaginar...

- As plantas respondiam? - Ela tinha ambas as sobrancelhas erguidas.

- Bom, não... eu meio que me confessava com elas. Tipo isso.

- Nick me disse que você foi punk por um tempo, certo?

Tomou outro gole de cerveja.

- O punk atraía gente esquisita... como eu.

Ela pousou a lata sobre a mesa da cozinha.

- Isso eu entendo... mas por que deixou de ser punk?

Perguntei-me se deveria dizer a verdade. Claro que sim!

- Não há muitas garotas punks... e desconfio que as que são, também são lésbicas.

Ela arreganhou os dentes. Não era um sorriso.

- Resumindo: você não comia ninguém e resolveu deixar o cabelo crescer e usar gel?

Notável capacidade de resumir uma história longa, tive que reconhecer.

- As garotas que me interessavam... bom, elas escutam "new wave". Eu nunca tinha me interessado muito por "new wave", mas...

- Um rabo de saia valia a pena o sacrifício.

E deu uma bela cruzada de pernas, para exemplificar o argumento.

- Você curte "new wave"? - Indaguei, esperançoso.

A resposta foi direta:

- O.M.D., Bauhaus, Pretenders...

- Eu tenho uma chance?

O sorriso desta vez foi genuíno:

- Acho que ainda não bebi o suficiente.

E balançando a lata de cerveja.

- Traga outra. Gelada.

- [30-01-2018]