A vida é curta?
A vida é muito curta para alguns. Já não enxergo a vida com o furor de adolescente, que quer se libertar dos grilhões. Eu estou nos trilhos, seguindo num trem sem rumo, comprei a passagem mas o destino estava apagado no bilhete.
Ouvi dizer que o ano é de Júpiter, tentei olhar Júpiter através da janela, nunca pude comprar um telescópio, não o enxerguei.
Tinha medo do passado, substituído pelo medo do presente. Nada mais me assusta que o presente. Esse presente não dado mas recebido, esse presente dado com a mão esquerda, esse presente que tive abrir assim que ele bateu à porta. O laço era bonito, o papel em dobradura, seu conteúdo não, não foi bonito, não é bonito.
Os trilhos trazem bifurcações, uma luz transpõe pela janela jorrando raios dourados de sol que já se põe no horizonte. Sinto que é a luz de Deus. Vejo montanhas aparecendo com seus picos ao longe, as nuvens fofas amontoam-se acima de mim, o ar vibra com um cheiro doce. Algo está prestes a acontecer. Pela primeira vez neste trem, sozinha demais para sair de uma cabine, corro até a frente para a cabine do maquinista. Meus pés não param apesar do sofregão a cada passo, a vida é muito curta para alguns, amigos.
A luz aquece a minha pele, uma linha fina de suor escorre pelas costas. Eu abro o primeiro vagão, ninguém o conduz. Não há ninguém ali além de mim.
Talvez seja por isso, eu tomei um trem sem controle. Ele anda à deriva. Eu estou a deriva.
Ali a janela é maior, vejo tudo a frente, os solavancos são mais intensos, os freios funcionam muito bem. A Luz começa a ofuscar minha visão. Eu posso tocar em cada instrumento, posso ter o controle disso, do meu próprio caminho.
Os trilhos são meu destino, mas o trem da vida, o conduzo.
A vida é apenas muito curta para alguns.
A vida é apenas muito a deriva para quem não atravessa a cabine do maquinista e vê-se como o próprio condutor da própria vida.
Porém, num voto consciente, algo toma a mente: a vida também é longa para alguns.
A vida é curta pra mim.