Dupla identidade
Eu a conhecia Filomena, havia muito tempo. Um dia, numa festa, estávamos conversando sobre nome de família; e quando eu lhe disse que meus pais escolheram para cinco filhos, nomes que começam por V e para as filhas, que são quatro, nomes terminados em “ina”, ela me falou:
Comigo é muito mais complicado. Muita gente que me conhece não sabe o meu nome verdadeiro. Nem eu. Na verdade eu tenho dois nomes, um de registro civil, Filomena e um de batismo, Maria Aparecida. Minha mãe conta que quando eu nasci queria que eu me chamasse Maria Aparecida, por causa de uma promessa. Ela era muito religiosa e devota de Nossa Senhora Aparecida. Mas meu pai me registrou Filomena. A atitude dele deixou-a desorientada. Até hoje não perdoa meu pai por ter me registrado pelo nome de Filomena, que ela achava muito feio. E não se deu por vencida, me batizou por Maria Aparecida, e só me chama por esse nome. Já meu pai me chama de Filomena.
Como administrar esta confusão criada por eles? Perguntei. Não foi fácil. Na verdade, nunca foi simples, como se imagina. Mas, algumas vezes tomo coragem e confesso a verdade, embora não interesse a muita gente. Quando eu era criança ficava triste e confusa quando meu pai me chamava de Filomena e minha mãe de Maria Aparecida. Aí, ficava Imaginando que quando crescesse teria muitos problemas com meus dois nomes e sofreria muito com as caçoadas dos amigos e parentes. Dito e feito. Primeiro aconteceu em casa com meus irmãos me atazanando o tempo todo, ora me chamando de Aparecida ora de Filomena, quando não era Cida e Filó. Depois na escola.
Hoje, às vezes, penso na criança que um dia eu fui e acredito que o sucesso só é alcançado quando mais da metade dos fantasmas da nossa infância forem aniquilados. Na verdade, este fantasma nunca foi embora. Mas, gosto mais do meu nome de batismo. Demorei a aprender a diferenciá-los de modo a não provocar perguntas indiscretas sobre minha identidade, toda vez que pedisse uma informação. O medo de que descobrissem meus dois nomes me atormentou por muito tempo, me deixou insegura e complexada, pois nunca sabia qual era o momento de usar um ou o outro, na verdade, era pura para-noia.
Hoje, sou aceita no cotidiano da sociedade sem despertar qualquer suspeita apenas informando o nome mais adequado para o momento. Por isso, não tenho mais dúvida, na igreja eu me apresento como Maria Aparecida e como nos documentos oficiais prevalece o do registro civil, por exemplo no meu trabalho, sou Filomena. Em casa convivo com os dois: Maria Aparecida para minha mãe e Filomena para o meu pai. Meus irmãos ora me chamam por um ora pelo outro. Mesmo assim, ainda tenho problemas para decidir qual o nome atender.
Quando sou apresentada a um novo conhecido, fico zangada com as pessoas quando elas se adiantam com os dois nomes: Filomena e Maria Aparecida. A confusão é tanta que ficou toda embaralhada e acabo sem dizer qual o verdadeiro, e, além de me confundir acabo confundindo todas as pessoas que me conhecem. Outro problema é que isto já faz parte da minha biografia e, além disso, a minha história com dois nomes não pode ser mudada de uma hora para outra. Quando me casei meu nome no casamento religioso foi Maria Aparecida e no civil foi Filomena. O meu marido brinca dizendo que é bígamo, pois casou com duas mulheres. O importante é o que eu sou, o que sempre fui e o que serei independente dos meus dois nomes.
Como você vê, uma história longa, que não se pode contar a toda hora. Principalmente porque é uma história íntima. E assim, além de me revelar que tinha dois nomes, ela me explicou por que os tinha. Um, por razões sobrenaturais ou religiosos, e ou outro por exigência da sociedade.