PRECEITO QUE NÃO MAIS EXISTE

A FESTA DE ANIVERSÁRIO DE TIA ZULU.

Era dia 2 de fevereiro, manhã bem cedo para ir a missa solene de aniversário da tia Zulu. Ela morava no sobrado da rua Direita da Piedade no 1º andar, casarão antigo com janelões de sacadas.

Neste dia a sala de visita estava repleta de convidados. Na sala de jantar havia uma longa mesa de madeira revestida de linho com bordados do Ceará. Em cima da mesa, várias iguarias baianas em pratos e compotas de louça inglesas; biscoitos finos, pão de lós, arroz doce, frutas secas cristalizadas da Europa, bebidas, café, doces variados. Na cozinha, os íntimos se lambiam: Efó de taioba, vatapá de lulas, feijão com leite de coco, muqueca de xixarro, mungunzá de caldo, cuscúz de milho e tapioca,

cerveja, vinho do Porto, vinho de Figueira, conhaque e vermute. Ainda na sala de visita, havia outra mesa redonda, com doces de calda sem ponto da Inglaterra, queijo da Holanda, licores finos dos Conventos baianos, charutos tipo Havana feito em São Felix, maços de cigarros Meuron, com e sem piteira. Já no quarto de reza, um grande nicho de madeira talhado com várias imagens de santos e logo na frente, duas grande imagens de São Cosme e São Damião de 30 centímetros de altura, com pintura nova. Na frente das imagens, duas vasilhas pequenas de barro com bolos de farofa e mel, oferenda para os santos mabaços. Esses santos gêmeos eram esculpidos em madeira ou gravuras

obrigatórias nas residências de Salvador, família Católica. No preceito eram chamados de "Santos Festeiros no Candomblé" são Orixás Menores

Erés. Neste dia não era a festa deles, mas tia Zulu fazia questão de acender velas e ofertar "bolinhos de mel" aos santos da devoção. Todos os anos ela fazia este ritual em seu aniversário. Logo no canto do quarto

sobre um mesa, estava uma barca pequena de madeira, cheia de oferendas; espelho, flores, pentes, perfumes, argolas, anéis colares, pulseiras, fitas e muitos bilhetes de pedidos e agradecimentos para a Rainha do Mar, Iemanjá dos africanos. Também comemorava neste dia o povo descendentes de africanos adeptos a sua religião nas praias, essa data magna do seu culto. Era o presente que tia Zulu ia entregar ao mar

no término do festejo em casa, depois saía em cortejo até a praia. Era outra festa com música e samba na praia.

Lá para as tantas horas, tia Zulu dava por satisfeita as festas e retornava

para o casarão. Acompanhada de suas criadas mais íntimas a comentar o brilho das festas. Exausta dos labores dos dias (preparação e festas ) cai na cama para acordar no dia seguinte a dizer com voz sonora e rouca a chamar uma das suas criadas. E assim, inicia o novo dia para tia Zulu

arrumar a casa, alegre e a pensar no próximo ano " a festa será melhor"

Tia Zulu era viúva, não tinha filho. Morena trigueira, no olhar para ela, qualquer pessoa saberia logo que era filha da Bahia, alegre, faceira, voz grave, comunicativa sempre a porta da sua casa estava aberta e todos vizinhos e amigos desfrutavam dessa amizade e hospitalidade. Perdeu o marido cedo e herdou um pequena fortuna em bens imóveis e terrenos.

Vivia de rendas. Daí então, novo casamento não mais pensar. Dedicava o tempo em prendas domésticas, missas aos domingos e dias santos. Pertencia a Irmandades e Casas de Caridade, como também apreciava os Orixás africanos de sua simpatia. Seu aniversário era bem concorrido para os seus familiares e amigos. Sempre os preparativos para o seu aniversário iniciavam há uma semana antes do dia 2 de fevereiro era um corre e corre danado; encomendas nos Conventos, nas lojas e com os amigos do recôncavo. Para tudo não faltar no dia festivo, por sinal, era duplo e ficaria inesquecível para qualquer pessoa presente.

Naquela época, tinha meus 10 ou 11 anos, presenciei muitas dessas festas até os meus 17 anos. Foi quando a tia Zulu faleceu com muita idade e muito bem vivido. Restaram as lembranças de seus aniversários e da sua pessoa, amável e socialmente adepta aos coisas simples do seu tempo. Passo essas recordações aos meus filhos e netos como prova da personalidade que tinha a tia Zuleide Maria Marques de Santana tia Zulu

N.B.: A NARRATIVA ACIMA FOI VIVENCIADO E ESCRITO POR MEU BISAVÔ ANTONINO DOS SANTOS MARQUES.

Álvaro B. Marques - Batacoto.

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Enviado por batacoto em 27/01/2018
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