Tabernáculo

Yakov Abramson passou o domingo no quintal de casa, ajeitando a sucá que ele e sua família usariam durante a festa de Sucot, na semana seguinte. Seria a primeira vez em que comemorariam a data festiva no novo assentamento em Jerusalém Oriental, e ele pretendia convidar alguns parentes e amigos para participar. Parou, sob o sol de outono, e apreciou sua realização: a sucá possuía três paredes, feitas de placas de madeira compensada (que ele guardava na garagem, de um ano para o outro), medindo 2 m de altura por 4 m de comprimento e 4 m de largura, espaço suficiente para acomodar uma mesa de jantar de dez lugares; afinal, ali seriam realizadas as principais refeições durante os sete dias da festividade. Quanto à decoração interna, ele deixaria por conta de sua esposa Cheli e sua filha Ateret. O telhado, a parte mais trabalhosa da construção, consistia numa estrutura de ripas de madeira que sustentavam a cobertura vegetal determinada pela tradição, o "sechach". Como o "sechach" tinha de ser trocado a cada celebração, este ano ele resolvera utilizar folhas de palma, o que dava à sucá um vago ar de abrigo de praia no Pacífico Sul. Sua contemplação foi interrompida pela chegada da esposa, com uma jarra de suco de cidra, gelada, e dois copos.

- Bem na hora! - Comemorou, enxugando o suor da testa.

- Ficou muito bom com essas folhas de palma - aprovou Cheli, após lhe entregar um copo e enchê-lo com o suco amarelo e perfumado. Em seguida, encheu o próprio copo e colocou a jarra sobre uma mureta de pedra próxima, antes de tomar um gole.

- Já pensou quem vamos convidar esse ano? - Indagou ele, após beber quase metade do seu copo.

- Os seus pais, claro... o meu irmão Jorim, que deve vir de Tel-Aviv... a mulher dele, e os dois garotos...

- Sua mãe não vem? - Ele ergueu uma sobrancelha.

- Dificilmente ela vai se abalar dos Estados Unidos para cá, com esse clima de tensão em Jerusalém Oriental - Cheli não pareceu lastimar muito a perspectiva. - E isso nos deixa com a possibilidade de fazermos política de boa vizinhança e seguirmos a tradição... recebendo os pobres. Ao menos, um por dia.

- Pobres - ecoou Yakov com ar cético. - Em quem exatamente está pensando?

Cheli tomou outro gole de cidra.

- Nossos empregados. São os pobres desta terra, não é?

- Mas são... palestinos! - Yakov a encarou assombrado. - Quer convidar palestinos para uma celebração judaica?

Cheli encolheu os ombros.

- Eu falei com o rabino Ephrem... ele concorda comigo. Afinal, ter convidados é uma mitsvá especial. Se estamos celebrando o Sucot apenas para comer e beber entre nós, não seremos muito melhores do que os cristãos, que basicamente aproveitam o Natal deles para se empanturrarem, enquanto os pobres passam fome.

Yakov, que não conseguia desgrudar os olhos da mulher, acabou de beber o seu copo de cidra antes de responder:

- Não vou discordar do rabino Ephrem... afinal, foi pelo empenho dele que esse assentamento saiu do papel. Vamos tentar chegar a um consenso sobre quem iremos convidar este ano.

- Sabia que podia contar com sua compreensão, amor! - Disse Cheli, esticando-se nas pontas dos pés e beijando-o de leve nos lábios.

E pegando a jarra de cidra:

- Mais suco?

- Mais, sim... - respondeu ele, estendendo o copo vazio.

Sob o sol da tarde, os ramos de palma do "sechach" projetavam um padrão de luzes e sombras no chão do aposento. E Yakov lembrou-se então das palavras do salmista: "yamat ketsel over". "Os seus dias são como uma sombra que passa".

- A vida é passageira - concluiu ele, tomando outro longo gole de cidra.

- [23-01-2018]