CHAGAS – UM SUPER CIDADÃO

Por Roosevelt Vieira Leite

Chagas acreditava que as regras do mundo eram justas. Chagas teve uma educação pública, aqui, mesmo, em Campos. Do fundamental à faculdade Chagas se destacou, e seus mestres diziam que o moço de Campos seria um cidadão perfeito. O moço de Campos, filho da macambira e da jurema foi trabalhar em Aracaju, capital do estado. Lá, ele iniciou sua iniciação no jogo da vida na capital mais linda do Brasil. Chagas só não sabia que nem tudo é uma benção, na verdade, como dizia Joaquim, um velho campense que aprendeu desde cedo entre os de sua raça, raça negra como café, que o mundo é um grande balaio de gato com um guabiru solto dentro.

Eram dez horas da manhã a entrevista de emprego. Aquele seria o primeiro emprego do jovem filho do sertão. Seu futuro patrão iniciou a conversa com um bom dia seguido por uma dissertação perfeita sobre a crise brasileira. A conversa foi encerrada com uma mistura de olhos marejados e um aperto de mão com um sorrido espremido entre os lábios: “Ficam, então, combinados os R$ 4,24 a hora trabalhada?” Chagas trabalhou duro por 7 meses; no final dos mesmos, o jovem trabalhador do Brasil refletiu como pode sobre tudo. Sua conclusão foi: “Isto não é um emprego, isto é, na verdade, uma maracutaia para explorar a minha pessoa; tenho certeza que este é um caso isolado”. O segundo emprego de Chagas foi a farmácia “Compre tudo e pague quase nada”. Seu salário inicial eram os tais 4,24 do primeiro, mas, com uma diferença, ele recebia comissão por venda. Chagas labutou por mais sete meses de sua triste vida, e depois saiu do emprego alegando que ele trabalhava somente para pagar o transporte uma vez que o rapaz pegava duas conduções por dia, e tinha que comer fora. Seu gorduroso almoço lhe custava, diariamente R$ 12,00 mais um suco doce e ralo de R$ 3,00. O jovem, cheio de esperança que as regras de fato fossem justas como ensinavam seus mestres enfrentou mais este carma. No final dos setes meses sua conclusão foi. “O professor Martinho me ensinou que o Brasil é um país pacífico de gente honesta e trabalhadora. Não posso generalizar estes recentes casos meus”. Chagas fez, sem cursinho, sete concursos na esperança de passar em algum. Ele dizia: “Todos dizem que o ensino público não é eficiente, mas, aprendi com a diretora Alves que é o aluno quem faz a diferença, e eu fiz, a minha menor nota foi sete”. Chagas não passou em nenhum dos concursos e foi pleitear uma vaga de vendedor de passagens de ônibus na antiga rodoviária da cidade. O Gerente da mesma solicitou que ele apresentasse diversos documentos. No meio da papelada haviam comprovantes de idoneidade moral, certificados de escolaridade, exames médicos, e laudos de perícia médica, além da ficha criminal, caso, fosse o rapaz ex presidiário. Além de tudo isso, sua experiência completa de trabalho com autenticação no cartório caso fossem entregues cópias. Chagas foi instruído a esperar uma resposta dentro de quinze dias, pois, haviam duas mil pastas de pretendentes para serem examinadas. Chagas precisou pegar dinheiro de um agiota cognominado de Bigodinho do Aribé. Foram R$ 2.000,00 parcelados para 24 meses com juros de 17 por cento ao mês. Chagas percebeu a abusividade do contrato, todavia, cedeu às regras do jogo porque os bancos bateram as portas na sua pálida e suada cara. Três meses depois, a gerencia da rodoviária o chamou. Chagas passou a ganhar novamente 4,24 a hora sem comissão. No primeiro mês, o pobre Chagas comeu no albergue “Santo Antônio”, pois, seus proventos só davam para pagar a condução, a parcela do empréstimo e as dívidas amontoadas. “Fazer outras não”. Decidiu o filho ilustre de Campos do Rio Real. Sete meses depois, Chagas entendeu que ali não era o seu lugar; o rapaz cogitava sobre o fato de que o seu dinheiro só dava para pagar o agiota, o transporte e a venda, assim, ele era insuficiente para cobrir suas outras pequenas mínimas e poucas despesas. Chagas decidiu não sair de casa, não comer feijoada ou churrasco, ou tomar cerveja no finais de semana na casa de seus amigos. O moço se trancou no seu quarto quitinete por 210 dias. No final de sua reclusão sua conclusão foi a mesma: “Achei mais um picareta”. Chagas não sabia que a rodoviária era uma instituição estadual gerida por contrato terceirizado; isso era considerado excelência e eficiência. Chagas gastou o seguro desemprego por três meses, depois foi tentar a vida de novo, desta feita era um contrato na prefeitura de uma cidade satélite da capital sergipana. “Aqui você só ganha até novembro, em novembro, sua pessoa sai de férias, retorna em fevereiro, e volta a receber em março. O rapaz pensou sobre isso quieto com minúsculas gotas de água em seus olhos: “Ah, se eu pudesse pôr um negócio”.

Certa feita, assistindo TV, Chagas viu um anuncio: “O governo ajuda os pequenos empreendedores”. Chagas correu para a secretaria de ação social e inclusão: Traga os seguintes documentos – Cópia da certidão de nascimento ou casamento, caso fosse casado, identidade, CPF, certificado de conclusão dos estudos, folha corrida, nada consta, experiência profissional, e o projeto do empreendimento. As copias deveriam ser autenticadas e assinadas por ele no rodapé das páginas de todos os documentos. Chagas voltou ao agiota para pedir mais uma porçãozinha mágica: “Mas, você ainda me deve”. Alegou o contraventor criminoso, porém, muito necessário para quase todo mundo da casa grande, exceto, para os que conhecem as senzalas do Brasil. “Eu vou pôr o meu próprio negócio, finalmente”. Bigodinho do Aribé arregalou seus olhos redondos e verdes, o verde dos olhos franceses que invadiram a barra dos Coqueiros nos tempos da colonização. “Seremos parceiros”. Chagas voltou para sua quitinete no Siqueira Campos com mais R$ 2.000,00 emprestados nas mesmas condições do outro emprestimo. Chagas pôs o seu comercio de vendas de água de coco, pastel, e refrigerantes diversos. Seu estabelecimento não passava de um toldo, uma mesinha, um freezer velho de segunda, outras pequenas ferramentas de trabalho. Nos primeiros dias, a coisa, até, que rendia, mas, depois, segundo a explicação de Clementes, um sábio vendedor de cocos na feira, a crise pegou. Chagas não entendia bem a crise, ou se, de fato, existia alguma: “Quer dizer que a crise é a culpada? E porque os gestores não previram e se prepararam?” Chagas tinha sua desculpa, mas, Bigodinho não aceitou: “Que crise!” Esbravejou o homem que só queria seu dinheiro.

Chagas foi vender coco na rótula próximo ao cemitério da linha de ferro. As vendas eram mínimas. Um coco, aqui, outro ali. Com o tempo o homem se perdeu entre os flanelinhas e todo tipo de peixe morto que povoava o lugar. Certo dia, Chagas foi encontrado morto na lixeira do CEASA que ficava próximo. Enfiado em sua boca ensanguentada estava o bilhete: “Deveu, não pagou, morreu”.

Roosevelt leite
Enviado por Roosevelt leite em 16/01/2018
Código do texto: T6227302
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