Magnétika-cap. X
Ela sorriu levemente; percebi que tinha gostado de mim; o flerte, os primeiros contatos; esses são os fatos mais bonitos no contato homem-mulher.
Um dia, caminhávamos à toa, pelo terreno em frente ; havia como que um gramado onde podíamos sentar e conversar. Falava sobre coisas banais e ela sorria; percebia minha timidez e inabilidade com o sexo oposto; talvez me achasse ingênuo demais; eu, entretanto, me sentia tolo, às vezes gaguejava; era ao mesmo tempo um tormento e uma alegria estar em sua companhia. Toquei-lhe levemente a face; ela enrubesceu, depois me deu a mão; nossos lábios se tocaram levemente.
Dona Zulmira e Seu Josivaldo observavam tudo de longe; apenas sorriram. Gabrielle parecia uma deusa para mim; para mim era, não importava; ela levantou seu corpo ágil, tomou da minha mão e me fez levantar, como que caminhando em nuvens adentramos no oco formado pelas plantas; envolvemo-nos numa graça juvenil em doces afagos, até o amanhecer.
No dia seguinte, saí de mansinho, sem ninguém perceber; não contei nada em casa; disse que tinha ficado na casa de um amigo. Mas...o céu para mim, o prazer, a alegria inebriante; soube depois que as alegrias juvenis são fugazes ; a vida vai nos trazer inúmeros aborrecimentos que nos farão relembrar desses momentos pueris com saudade.
Minha mãe tinha notado meu comportamento estranho:
- O que você tem? Está avoado –tocando minha testa, vendo se tinha febre- vou marcar com o Doutor Ladislau.
-Não é nada!- disse, saindo correndo.
-Deve ser essa gente que frequenta; têm uns comportamentos tão estranhos; você deve saber, Luzinete.
-Sei não, dona, só sei que tenho que me apressar, senão não termino o serviço...
Mas uma coisa me atormentava a consciência: tinha agido corretamente? Aquelas pessoas incríveis tinham me franqueado sua casa, sua amizade e eu, o que fizera? Me aproveitara da ingenuidade de sua filha mais nova. Fiquei uma semana sem aparecer; não tinha coragem de encará-los, de olhar pro Seu Josivaldo, tão leal e amigo. O que fui fazer; acabou tudo! Pena que durou pouco. Foi ótimo, claro, mas... por que fui fazer isso ?
Uma semana depois, tive coragem de me chegar a eles de novo. Seu Josivaldo recebeu-me afavelmente, como se nada tivesse acontecido.
-Oooi, apareceu! O que foi? Fizemos alguma coisa que não gostou?
- Tudo bem? Dona Zulmira mexia as panelas e me sorriu.
Gabrielle fitou-me com um olhar terno e um tanto malicioso; percebi. Tremi, mas disse tudo num jato:
-Eh,eu...eh, eu... quero me desculpar pelo acontecido há uma semana...abusei de uma menina ingênua que caiu em meus encantos...não foi certo. Envergonhei vocês...se quiserem, caso o mais breve possível!
Todos me olharam espantados; ficou-se em silêncio por um minuto. Tremi; depois, Seu Jô foi o primeiro a mudar de expressão; começou a rir, rir, sem parar, caiu em uma gargalhada; os outros fizeram o mesmo, inclusive Gabrielle , Dona Zulmira e os outros filhos.
Fiquei furioso e saí em disparada. Seu Jô saiu em meu encalço; quando já estava quase na porta, pegou-me pelo ombro e calmamente me falou:
-Nós sabemos tudo que aconteceu; quer dizer, não aconteceu nada...
-Co-como?
-Quer dizer, sim, aconteceu um encontro de vocês. São jovens, bonitos; se amaram; qual é o problema? Não é bonito? A vida é uma só; tratem de aproveitá-la, mas com juízo !
Fiquei bestificado com aquela atitude tão liberal e tão...moderna, para alguém tão simples, no meu modo de ver.
-E Dona Zulmira..o que acha?
Ela pensa como eu...foi assim das outras vezes...
Como? Uma decepção me percorreu por inteiro; aquele idílio se desvanesceu; estava decepcionado, como muito mais vezes ocorreria na vida. Seu Jô percebeu isso na minha face; colocou o braço em meus ombros e me mostrou uma máxima na parede do quarto:
-Leia: “ A vida é boa; o prazer é inestimável; nosso corpo é bonito; por que nos envergonhar dele?”
-Nossos filhos são criados com liberdade e para amarem a si e aos outros , com o máximo de alegria sem se envergonharem de si mesmos.
Saí dali com sentimentos contraditórios e...feliz ao mesmo tempo; nunca tinha tido sensações desse tipo e nem conhecido gente assim; estranhos, mas...incríveis!Minha mãe, ao saber do ocorrido, ficou chocada; marcou uns três exames para saber se não tinha contraído nenhuma doença; meu pai, no entanto, quase esboçou um sorriso. No fundo me achava quieto demais e amante de livros; agora, no seu ver, parecia-lhe mais normal. Disse a minha mãe que não interferisse e deixasse eu me divertir. Assim é o mundo.