O MENINO DO VIADUTO
Conheci um menino vendendo balas na condução
Perguntei se não tinha família, onde morava, por que vendia
Disse que não conhece os pais, mora na rua e trabalha por pedra e pão
Aprendeu que ladrão, deve ser operado sem anestesia
O acompanho até o Viaduto Brigadeiro Trompowsky, seu reduto
Adultos, jovens, crianças, como ele, aprisionados pelo vício maldito
Problemas físicos, sociais, psíquicos, em corpos que parecem vultos
Sem me importar com o iminente risco, retiro o celular do bolso e digito:
“Suas peles escuras se confundem com o lixo, com qualquer sujeira
A prefeitura recolhe as imundícies, garis deixam as ruas varridas,
Mas eles são farrapos que não podem ser despejados nas lixeiras
Precisam de que removam suas chagas, que curem suas feridas;”
“Resquícios de vidas, abandonadas, perdidas, indiferentes
Não assistidas, mas assistidas sob o viaduto na Avenida Brasil
O vício castiga silenciosamente os culpados e os inocentes
Tanto quanto um destrutivo e estridente disparo de fuzil.”
O menino me interrompe e diz:
"Tio", uma das nossas amigas, ontem, perdeu suas duas vidas
A dela e a que estava em sua barriga
A médica tentou salvá-la, da overdose, mas não foi feliz
Tá vendo "tio", aquele amigo ali? Tem apenas dez anos, “se liga”
É o único aqui que não fuma, também não rouba, até sabe ler e escrever
E ainda sonha em ser escritor, “se ligou?”
Ontem quando o bombeiro levou a menina ele até orou.
"Tio", “se liga,” talvez ele consiga!
Rio de Janeiro, 22/12/2017