E Que Venham As Mudanças!
Que mal haveria de ter se Benedita fizesse o tal curso para agricultor? Firmina fez no ano passado e Deus tá vendo como sua roça vem produzindo mais do que nunca. Sorte da amiga ser solteira e dona do próprio nariz. Benedita não pode fazer o mesmo porque é casada com o Zé Vicente, um homem mesquinho que não deixa a esposa fazer nada sem seu consentimento.
- Mas Zé, tu pode ir lá na Firmina e ver com seus próprios olhos a beleza que tá a roça dela. Até aumentou a renda mensal depois que foi estudar nessa tal escola para agricultor.
- Tira o cavalo da chuva porque não vai perder tempo com essa bobagem. Sabe muito bem como plantar e colher. Não precisa de ningúem para mostrar o quê já nasceu sabendo, mulher.
Naquela mesma noite, Benedita rezou o terço e pediu à Nossa Senhora para dar um jeito nas idéias daquele marido mala dela.
O tempo foi passando e nada do Zé Vicente ceder, mesmo assim Benedita continuava rezando e pedindo por um milagre.
Vendo que sua amiga não teria como se inscrever no curso, Firmina lhe fez uma proposta.
- Então, o que achou, Benê? Topa?
- Claro que sim! É um pequeno passo. O primeiro, mas de passo em passo chego lá.
Chegando em casa, Benedita rezou um terço à Nossa Senhora agradecendo o pequeno milagre.
Aquelas duas davam conta de tudo e sozinhas. Na horta haviam plantado todo tipo de verdura e legume. No pomar uma variedade de árvores carregadas de manga, laranja, jabuticaba, imbu, pitanga, goiaba e graviola aguardavam a primeira colheita.
- Sabe Benê, painho não soube usar essa terra direito. Não é só para plantar feijão, arroz e café.
- É mesmo, Fifi. Tô vendo como o pomar dobrou de tamanho e essas frutas! Nossa! Que beleza!
- Se prestar atenção Benê e aprender direitinho, vai poder fazer o mesmo lá nas suas terras.
- Estou aprendendo muito, amiga. Toda noite, reflito e anoto cada coisa que aprendi no caderno, assim como falou para eu fazer. Já tô até fazendo planos para o ano que vem, viu!
O Zé Vicente não gostava muito dessa parceria da mulher com aquela danada sem papas na língua. Mas fazer o quê se a mulher dava conta da casa e das suas obrigações. Nunca se queixava de cansaço, nem ficava doente e não lhe negava os direitos de marido. Melhor deixar a mulher sonhar e continuar a trabalhar na roça da amiga bocuda. Além do mais, o dinheiro que vinha do trabalho da Benedita era sempre bem vindo.
Depois de dez meses, enfim, Firmina mostraria ao seu mestre não só o quanto havia aprendido, mas com aprendeu tudo direitinho.
- Que nome mais complicado do teu professor, Fifi.
- Tem nada não, Benê. Ninguém chama o professor pelo primeiro nome. É Professor Moura e pronto! Abdalaziz só mesmo na formatura.
As amigas riram muito enquanto preparavam os quitutes e o café para a visita tão aguardada do professor.
Benedita ouviu muito sobre o Professor Moura e seus ensinamentos. Esse homem mudou a vida da sua melhor amiga radicalmente. Nesses últimos dez meses, a própria vida dela vinha melhorado com tudo aquilo que havia aprendido com a Firmina e o trabalho que vinham fazendo juntas.
Professor Moura não tinha palavras para elogiar o trabalho da ex aluna. A horta estava carregada de frutos assim como o pomar.
- Que beleza, Firmina! Vejo que realmente aproveitou os ensinamentos desse velho professor.
- Só posso agradecer ao senhor por tudo isso, Professor. Agora realmente tem prova do quanto minha vida mudou e para melhor.
- Deve ter tido ajuda para conseguir resultados tão bons assim. Seus ajudantes não criaram confusão com as técnicas que utilizou?
- Tive apenas uma ajudante senhor, e posso dizer que ela aceitou todas as técnicas sem argumentar. Quero apresentá-la. Professor Moura, essa é minha amiga e colaboradora, Benedita.
- Prazer em conhecê-lo Professor.
- O prazer é todo meu, Benedita. Que beleza de trabalho que fizeram aqui. Estive em outros sítios e roças nessas redondezas, mas esse trabalho das duas realmente supera os demais. Parabéns meninas!
Curioso como qualquer bom professor, Moura perguntou à Benedita o quê mais gostou de ter aprendido.
- Professor, adorei tudo aquilo que Firmina me ensinou, porém o mais importante não foi como plantar e colher, mas como devemos dar valor a nós mesmos. Aprendi que tenho que lutar por aquilo que acredito, custe o que custar, mas sem agredir ou humilhar o meu próximo.
Firmina se comoveu ao receber os parabéns do seu mestre pelo seu excelente empenho e sentiu que o seu dever estava mais do que cumprido em relação à sua amiga.
Aquela noite, enquanto balançava na sua rede na varanda de casa, Benedita puxou prosa com o marido.
- Sabe Zé, tô matutando aqui sobre a horta que vou fazer ali naquele cantinho. O rio vai ser uma mão na roda! Vou ecomomizar tempo e esforço na irrigação. Como não quero competir com a Fifi, vou cultivar melão, frutas vermelhas e um tal de blueberry que tá fazendo sucesso em São Paulo. Como tenho planos para essa terra. Tô até pensando em fazer um jardim de suculentas e orquídeas!
- Melhor tu tirar esses pensamentos da cabeça, Benê. Essa terra só presta pra plantar o quê nós já plantamos. Flores! Onde já se viu flor por essas bandas, mulher!
- Pois bem, Zé Vicente. Não tô pedindo sua opinião, muito menos a sua permissão. Só tô mesmo lhe comunicando homem que no ano que vem, aquele pedaço de terra logo ali vai ser bem aproveitado, queira você ou não. E se você insistir, melhor falar com o meu advogado.
Com certeza os ensinamentos do Professor Abdalaziz Moura passarão para muitas gerações melhorando a qualidade de vida de milhares de famílias, principalmente dessas mulheres guerreiras e mães do Nordeste do nosso país.
Abdalaziz Moura, professor e criador do Serta cuja missão é formar técnicos/as, educadores/as e produtores/as familiares, para atuarem na transformação das circunstâncias econômicas, sociais, ambientais, culturais e políticas e na promoção do desenvolvimento sustentável.
Obs: A história é fictícia, mas o Professor Moura é de carne e osso, assim como nós.