Unidade de Dor Torácica

- Paciente obeso, 47 anos, deu entrada na Emergência queixando-se de dor torácica - resumiu a enfermeira rapidamente para a Dra. Anália. Embora não fosse cardiologista e sim pediatra, ela fora designada responsável pela recém-inaugurada Unidade de Dor Torácica, já que se tornara conhecida pela implantação segura de protocolos hospitalares complexos.

A conversa transcorria enquanto ambas seguiam pelos corredores até a Emergência, onde o paciente dera entrada.

- E o ECG? - Indagou Anália.

- Inespecífico.

Chegaram à Emergência. A enfermeira abriu a cortina que separava o leito onde estava o paciente, do restante da enfermaria. Ao ver o homem pálido, olhos fechados, respiração ofegante, Anália teve um choque.

- Sr. Aderbal - sussurrou.

- Você o conhece? - Inquiriu intrigada a enfermeira.

Sim, Anália o conhecia. Aderbal Siqueira havia sido patrão de sua mãe, numa época em que ela trabalhava como diarista. Certa vez, com dez anos de idade, sua mãe precisara levá-la junto com ela no dia da faxina, pois não tinha com quem deixá-la. E o homem gordo e careca, agora ali deitado, a bolinara num momento em que a mãe não estava próxima. Lembrava-se disso com terror - e raiva. Felizmente, a mãe nunca mais a levara para o apartamento de Siqueira, e ela nunca teve coragem de contar o que sucedera, mesmo depois de adulta.

Descobriu o peito cabeludo do paciente e auscultou cuidadosamente com o estetoscópio. Nenhum sinal de arritmia.

Siqueira abriu os olhos e a encarou de um jeito míope.

- Doutora... eu vou morrer? - Murmurou com um fiozinho de voz.

"Deveria", pensou Anália. "Deveria". Mas o que realmente respondeu, com um sorriso perfeitamente profissional, foi:

- Creio que ainda não chegou a sua hora, senhor...

E devolvendo o ECG impresso para a enfermeira, sussurrou:

- Muito provavelmente, são apenas gases. Deixe em observação e repita o ECG seis horas após o anterior. Se continuar normal, encaminhe para alta.

O paciente gemeu.

- Não vai me receitar nada, doutora?

Anália balançou a cabeça, afirmativamente. E virando-se para a enfermeira, determinou:

- Sirva-lhe uma Coca-Cola. Zero.

- [29-12-2017]