Entre o que é latinha e o que ela tinha - conto natalino
Nadir, além de ponto mais baixo de uma localização espacial em oposição ao Zênite, é também nome de mulher. E, no caso nosso, é o da coletora Nadir, que vive da cata de latas de bebidas para reciclagem.
Seu sonho de um emprego regular, fichada, vem-se baldando ao longo de décadas e a propalada recuperação da economia ainda não a alcançou. Não fosse o petismo retardar tanto nossa inserção no desabrido liberalismo econômico...
Dia desses, ainda na reta para o Natal, recebeu telefonema que lhe exigia 1.000 reais pela libertação da filha que estaria em poder desequestrador. A dificuldade rotineira com o manejo do caixa automático foi superada em pleno desespero, que ainda acabou se tornando ainda maior diante de nova ameaça para a liberação da filha: agora o resgate havia sido reajustado unilateralmente - como nas nossas tarifas de serviços - em mais 4.000 reais.
Sem fundos suficientes, Nadir acorreu a outra filha, que não se encontrava em casa e, no meio tempo, seu crédito pre-pago esgotou. A angustiosa insônia que se agravava a cada segundo, converteu-se em
milagre, quando a "sequestrada" apareceu ilesa e ignorante de todo o drama em sua casa, ao amanhecer.
Nadir ficou com o susto e o prejuízo. De sacos parcialmente cheios à mão, contrastava com a figura serena da efígie do Papai Noel da Padaria São José - onde eu me encontrava quando ouvi seu relato ao
padeiro Zezim.
O bom velhinho, no interior do estabelecimento estava protegido, senão de assalto, ao menos de um trote, por não dar ouvidos a chantagens telefônicas. Seu lema é atender os sonhos da meninada. E o saquinho que portava à mão, doirado, era infinitamente menor do que os da coleta de dona Nadir.