Alto Astral
A diretora do Planetário abriu a série de seminários sobre Etnoastronomia falando sobre alteridade. Os estudantes de Física e Engenharias, que ocupavam quatro quintos do espaço do auditório, não conheciam o conceito. (“Lá vem a velha viajandona de novo.”) Só o povo das miçangas ali no fundo acompanhava a explanação e assentiam movendo as cabeças, assim como alguns daqueles cabeludos de jaleco, possivelmente exobiólogos.
O primeiro conferencista explicou que cada povo reconhecia constelações próprias, e, porque elas eram difíceis de memorizar em suas formas e localizações, daí a criação de mitos e histórias sobre as constelações, que às vezes coincidiam entre tribos diferentes. Gregos, egípcios, árabes, hindus, chineses, incas, maias, astecas, vikings, sioux, maoris, rapanui, celtas, e tupi-guaranis... Povos pescadores viam peixes; pastores viam carneiros; agricultores, o arado; caçadores, suas caças; navegadores, sextantes; cristãos, cruzeiros.
E na plateia, durante as palestras, havia alguém cujo conhecimento excedia o de todos os conferencistas. Essa generosa pessoa distribuía, sem esperar por qualquer solicitação, seus comentários brilhantes e fundamentados sobre o tema. Mal ouvia os conferencistas.
“O registro mais antigo de constelação foi encontrado nas cavernas de Lascaux, na França e representa as constelações de Touro e das Plêiades, datando de 17.300 anos atrás.” É claro que os antigos sabiam mais que nós hoje. Naquele tempo, eles tinham muito mais estrelas do que a gente tem hoje. Eles conseguiam fazer os desenhos inteiros, ligando os pontos no último círculo do céu. Hoje em dia elas ficam muito longe uma da outra, a gente mal consegue juntar para reconhecer os animais do zodíaco.
“Para os antigos egípcios, a estrela Sirius, a mais brilhante da constelação do Cão Maior, marcava o ano-novo, o início das cheias do Rio Nilo. Para os tupi-guarani, a Ema indica o início da estação seca, a época das colheitas: Wiranu-Ema é um grande pássaro que se alimenta dos ovos de outros pássaros.” Os antigos cuidavam os movimentos dos astros, faziam mapas dos céus, calendários, que até serviam para a agricultura, para saber quando plantar, quando colher, caçar, pescar. Mas o principal uso para os sábios era orientar reis e rainhas e czares e faraós. Eles já sabiam que os astros influenciam tudo.
“Na Grécia antiga, as posições opostas entre as constelações de Órion e Escorpião têm sua explicação mítica: Órion desafiou a deusa Ártemis, e ela criou um escorpião gigante que caçaria o grande caçador, ao mesmo tempo em que por ele seria caçado.” Os antigos ficavam olhando para o céu à noite para saber dos presságios. A interpretação dos símbolos é que é a maior sabedoria! Sabiam se era auspicioso ter um novo governante, sabiam quando ir à guerra, sabiam até quando é que o mundo ia acabar.
“Constelações incas e de outros povos da América do Sul são delineadas por estrelas e também por nuvens escuras na Via-Láctea. No Emu dos aborígines australianos e na Ema dos sul-americanos, a cabeça está no Saco de Carvão no Cruzeiro do Sul, o pescoço passa por alfa e beta Centauri e o corpo contém Scorpius.” A escuridão oculta mistérios! Imagina como Catarina de Médicis reinaria sem as previsões de Nostradamus. E como o rapazinho de Nicolau II viveria se a czarina não seguisse os augúrios de Rasputin.
“As constelações Plêiades, Touro e Órion formam a figura do Homem Velho para os tupi-guarani. E a Lua representava a divindade que preside a caça.” É claro que a Lua influencia tudo na vida de uma pessoa. A hora em que uma criança nasce é quando muda a Lua. Isso sem falar no corte do cabelo, faz crescer, faz dar volume. Ela sempre tem o seu dia, em todo lugar: Monday, Montag, Lunes, Lundi, e o Sol tem o seu. É o princípio de feminino e masculino, claro, o equilíbrio entre O Sol e A Lua. Que eu saiba, só os alemães invertem as coisas: chamam A Sol e O Lua. Mas eles são um povo muito estranho.
No happy hour de encerramento do ciclo de conferências, um jaleco declamava aquele poema em que uma galáxia se apaixona. Atraiu umas miçangas para sua volta: - Adivinha? Eu sou do melhor de todos os signos. - Aff, quem fala isso normalmente é de Leão. - Ah, mas é Capricórnio o melhor signo. Até Jesus é Capricórnio, sabia? - Ué, que dia ele…? Ah!
Na porta do auditório, diante da maior concentração de pessoas no evento, aquela pessoa multiespecialista, monologando para quem quiser (ou não) saber, revelou a origem de seu estrelado conhecimento... - É claro que eu fiz o meu mapa astral. E não tomo nenhuma grande iniciativa na minha vida sem consultar a Zora Ionara. Tu sabe que a única parte que eu lia no jornal era o meu horóscopo. Mas me disseram que esses de jornal são falhados. Que são estagiários que fazem, copiam os textos do dia anterior e mudam de signo, em rodízio. Uma pouca-vergonha! Por isso, comprei este aplicativo por 99 centavos de dólar, ele me dá a previsão do dia. É americano, muito mais confiável.
Uma das miçangas e outro jaleco acabam demonstrando interesse: - Mas e essa tal de precessão do eixo de rotação da Terra? - Olha, inventaram isso só para tentar desqualificar a astrologia. Mas nem influi nada. É só que agora existe o Serpentário, o tal Ofiúco, entre Libra e Escorpião e Sagitário. - Mas como assim? Eu sou Sagitário e amo! Vou ser sempre até morrer! Determinação, paciência, estabilidade e firmeza de opinião. Tenho até uma tatoo do centauro arqueiro. - Mas de qual dia? - Dez de dezembro. - Ah, então tu é Ofiúco: detesta rotina, foge de obrigações, gosta de novidades. - Quê? Geeeente! Eu tava vivendo fora da minha personalidade! Uau! Eu agora gosto de novidades! O que eu vou fazer? Virei Ofiúco! Mas... e a minha tatuagem!?! E o pior de tudo: qual cavaleiro eu vou ser nos CdZ?