Magnétika- cap. VII

Passava horas em sua livraria, que ficava num ponto comercial do bairro, próximo a uma faculdade; os estudantes sempre o procuravam, em busca de um livro raro ou mais barato que os novos.

Tinha amigos distintos, todos ligados à cultura; alguns afetados, que ironizava: “ não me venha com os prolegômenos da propedêutica da requinguela da parafuseta...”

E ria abundantemente.

Era de origem muito humilde, de onde não sabia: “ só sei que eram descendentes de açorianos..só isso”. Na sua família havia ainda índios, mamelucos e, dizia ele: “um conde francês do século XVIII...”

“Em casa podia faltar comida, mas não livros”- dizia, apontando uma velha enciclopédia que recebera de seu pai aos sete anos :”Você começará a estudar e, nunca mais irá parar”- disse seu pai: “ Não podemos lhe dar riquezas, mas podemos legar algo que ninguém poderá tirar, o estudo”

Essas pessoas, humildes em posses, mas ricas em humanidade, me dariam muitas lições, que traria para a vida. Uma vez, chovia torrencialmente, uma chuva de alagar tudo; não tinha guarda-chuva e precisava voltar. Dona Zulmira apressou-se a entregar a única capa que tinha.

- E a senhora não vai precisar?

-Não, eu não vou sair hoje; amanhã me devolve...

Quando cheguei a casa, até minha mãe se surpreendeu. Mandou a Silvia lavar a capa e entreguei-a limpa e dobrada.

Continuei frequentando a casa e a livraria, embora minha mãe desaprovasse; todas as vezes era recebido com aquela comida deliciosa. Certa vez indaguei a dona Zulmira sobre sua generosidade:

- Não faz falta pra senhora essa comida? Vejo tanta gente que vem aqui só por causa dela...

-Que bom!...-disse ela- É sinal que gostaram-pensou um pouco- Não pense assim, meu filho; não se nega um prato de comida a ninguém...

Na sua simplicidade, tinha uma filosofia de vida muito sábia:

- Deus te dará em dobro... aqui e ali, de um modo que nem percebe: em saúde, em trabalho, em amizades; às vezes em gratidão. Pode não ser aquela pessoa ajudada que te ajudará...

-Eu sei, mas há tanta gente ingrata e aproveitadora!

-Tudo bem, mas não vá mudar seu coração por causa desses; não espere retribuição, senão não vale o seu amor; se tiver, melhor, senão, pobre dessa pessoa, mas você tem a sua consciência de que fez o que deveria ser feito. Não espere dar um Real e receber um Real em troca, mas fique alegre em fazer o bem- disse isso, acariciando um dos dos gatos que vinha lhe pedir comida.