Magnétika- cap. VI
“ Erga as mãos para a identificação ultrassônica...Não identificado; não identificado...não identifi...”
-Desculpe, seu....; vou destravar; sempre dá defeito...
-Mas eu já me cadastrei três vezes...
-É... e vai precisar de mais uma!
Subi aborrecido pelo elevador lustroso e perfumado; adentrei em meu apartamento :
-Onde andou? – Era minha mãe, enervada- O que fez a tarde toda?- me censurava, com as mãos à cintura.
-Conheci gente muito legal- e , mostrei o livro.
- Quem te deu isso? Está sujo!- sua expressão era de repulsa.
-Eles me emprestaram para eu ler.
-E com quem andou falando?
-Com o pessoal lá do bairro de baixo...
-Do bai...não! Você não se misturou com aquela gente? Vai ver que te seguiram da escola e querem extorquir a gente! Que perigo !
-Não é nada disso; são muito gentis; eu almocei com eles...
-Minha nossa! Vai ver que o envenenaram. Silvia, traga um laxante já!
Por que tanto medo do próximo, de conviver de cumprimentar , de amar? Aquelas pessoas incríveis me ensinaram a me abrir e não ter medo; os nossos instintos indicam quando há falsidade ou má intenção. O mundo do amor e da abertura meus verdadeiros amigos me ensinaram naquele tempo.
Apesar das recomendações explícitas de minha mãe de sair da escola e ir para casa sem encontrar “aquela gente”, voltei a vê-los nas semanas seguintes. Eles tinham vários filhos, como é comum entre as pessoas modestas; quem me chamou mais a atenção foi um rapaz troncudo, de cabelos rebeldes e olhar desafiador de nome Ivan, e Gabrielle, uma jovem morena, dos olhos verdes e cabelos frisados.
Estranho é que não pareciam entre si os irmãos; Ivan era claro, quase nórdico, enquanto Gabrielle era um tipo bem brasileiro; havia os outros: o Rosemiro, a Clariane e, a adorável caçula: um diferente do outro...já desconfiava de algo, mas não diria agora.
Seu Jô, ou Josivaldo, o patriarca da família, não gostava do seu nome, preferindo ser chamado de Jô da livraria. Dona Zulmira era sua esposa, uma adorável e educada senhora, muito religiosa, mas liberal quanto às atitudes de seus filhos. Sempre mexendo na panela ou recebendo uma visita da vizinhança; tinha o raro dom de ouvir pacientemente as lamúrias ou alegrias de todos. Tinha um sorriso espontâneo e franco, sabendo como tornar todos felizes. Alegrava-se com qualquer coisa: um botão de rosa com que a presenteavam , uma festa, uma criança que nasceu.
A casa era repleta de animais que recolhia na rua, doentes ou maltratados pelos outros. Havia gatos, passarinhos, pombos e, até um marreco que cuidara pessoalmente e retirara de um terreno baldio.
Seu Jô partilhava desse amor pela Natureza, concentrando-se mais nas suas plantas favoritas do quintal, entre elas um majestoso pé de girassol que tratava com cuidado e era a atração da vizinhança, que vinha admirá-lo.
“Essa é a única planta que acompanha a direção do sol- e isso é admirável”- dizia com ênfase.