Cansada?

Quando Maria Luíza Marques entrou no estúdio onde era gravado com plateia o "Zeca Ramiro Confidencial", o trio de jazz que fazia o acompanhamento musical do programa atacou a introdução de "Maneater", de Daryl Hall & John Oates, que se transformara mais ou menos na sua música-tema desde que ela interpretara a protagonista em "Rainha da Terra". Maria Luíza, com o domínio de palco que lhe era natural, simplesmente parou a meio do caminho da poltrona onde deveria se sentar, mãos nas cadeiras, um imenso sorriso no rosto, e fez um gesto para que a banda continuasse a tocar, enquanto o público presente marcava o compasso batendo palmas. Zeca Ramiro ficou assistindo a cena da bancada de onde conduzia as entrevistas, queixo apoiado na mão, cotovelo sobre o móvel. Finalmente, Maria Luíza julgou que já havia dominado o espetáculo por tempo suficiente e fez sinal para a banda parar. Só então, sob uma chuva de aplausos, dirigiu-se ao apresentador, que se colocara de pé, e trocaram um breve abraço e beijos no rosto. Ela sentou-se finalmente na poltrona que lhe fora destinada, e Ramiro, cotovelos apoiados na bancada, dedos entrecruzados, dirigiu-lhe a palavra:

- Por um momento, temi que tivesse vindo tomar o meu lugar, Maria Luíza.

- Fui tão convincente assim? - Indagou ela, divertido ar de surpresa.

- Depois de "Rainha da Terra", acho que temos que esperar tudo de você...

Ela começou a cantarolar "Maneater", para deleite da plateia. Ramiro virou-se para os músicos, dedo em riste, e alertou:

- Se tocarem essa música de novo, estão demitidos!

E virando-se para a entrevistada:

- Mas, me fale de você. Depois de seis anos atuando em "Domina Siderum", surgiram boatos de que estaria cansada de trabalhar com o diretor Renato Correia.

Maria Luíza pôs a mão no peito.

- Cansada? Eu? Adoro trabalhar com o Renato!

E fazendo um gesto como se quisesse espantar um mosquito:

- Isso é intriga da oposição! A série "Domina Siderum" é a maior produção de ficção científica jamais feita no país, e eu estou super-ansiosa pela conclusão da trilogia... como todos os fãs, naturalmente.

- O que nos conduz à pergunta que têm sido feita insistentemente: o que virá após a conclusão da trilogia? Sabemos que você estará em "A Imperatriz de Marte", que conclui a saga... mas e depois?

Maria Luíza cruzou os braços.

- Você está falando da minha carreira ou da série?

- Da sua carreira na série, principalmente.

Maria Luíza exibiu um ar ligeiramente contrafeito.

- Bom... sobre a série, é uma incógnita, visto que só foi escrita uma trilogia. Como não estou envolvida diretamente com o processo de criação, não posso lhe assegurar que haverá novos capítulos, embora o Renato, que também assina os roteiros, certamente esteja habilitado para sugerir novos rumos a partir do cenário desenvolvido...

E descruzando os braços, expressão mais tranquila:

- Todavia, devo ressaltar que tenho uma carreira independente de "Domina Siderum". E que tenho filmado com outros diretores...

- Sim, mas pelo menos no cinema, seus grandes sucessos vieram em trabalhos feitos com Renato Correia - insistiu Ramiro. - Começando pela sua estreia em "O Paciente Polonês". Poderíamos falar numa dobradinha Correia-Marques?

Maria Luíza sorriu de leve.

- Ah, sim, eu e Renato nos entendemos bem trabalhando juntos.

E olhando diretamente para a câmera mais próxima do estúdio, ar confiante:

- Renato, saiba que nunca, jamais, me cansarei de trabalhar com você. Se isso significar ter que fazer mais uma trilogia de "Domina Siderum", eu estou dentro!

Alguém na plateia começou a cantar "Maneater" à capela. Sem que houvesse sido ordenado, o trio de jazz começou a fazer o acompanhamento. Segundos depois, todos estavam batendo palmas, marcando o compasso. Foi a vez de Ramiro virar-se para a câmera e declarar:

- Vamos fazer uma pausa para os comerciais, enquanto eu contrato um novo trio de jazz! Na sequência, voltamos com mais Maria Luíza Marques!

- [03-12-2017]